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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Nuno Júdice









Dizes-me que tenho uma visão negra do mundo, quando 
o frio das imagens se sobrepõe à alegria que devia nascer 
da manhã. Conversemos sobre isto: a poesia faz-se sobre 
o ruído do mar, mesmo quando o mar está longe, e 
as ondas rebentam dentro das paredes que me 
rodeiam, enquanto uma espuma sobe pelas madeiras 
das portas, enchendo a casa de um cheiro a algas. Depois, 
os versos suam um salitre de significados: limpo-os 
da solidão, dos sacrifícios da memória, da surpresa 
ébria dos sons. Quero que estes versos fiquem mudos 
quando te virem chegar, e tu fores toda a poesia do seu 
canto. Tu, a minha musa verdadeira, a quem estendo 
o espelho da estrofe para que o teu rosto surja de
dentro dela, com os lábios que beijei, aprendendo 
o gosto do amor. Assim, esta imagem do mundo pode 
mudar a meio de um poema. Basta que tu entres por
dentro dele, batendo com as suas portas, e fazendo-me 
sentir a tua presença, mesmo que estejas longe. É 
um vento que sopra nas minhas veias, até à cabeça, 
onde limpa as nuvens mais cinzentas, abrindo esse azul 
de que as aves gostam. Tu, com quem converso sobre
o sentido da vida, ouvindo o teu riso sobre esta maré 
que baixa com as vozes que o desejo submerge, enquanto
antigas gaivotas pousam numa areia de murmúrios. 



Nuno Júdice

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