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sexta-feira, 28 de julho de 2017

rui amaral mendes



























fez frio, muito frio, naquela noite de Maio
sozinho junto ao mar. 
o interior da casa prosseguia quente
uma morada alheia ao frio que por momentos a habitava: 
o frio primacial por dentro do calor artificial 
a percepção da impenetrabilidade da dor 
e a descoberta da tangibilidade das coisas impensáveis 

na obstinada convocação da memória 
de uns lábios com a cor quente das cerejas 
reencontrei a ironia dos elementos 
pois que esse fruto estava condenado por 
velho adágio a ser saboreado em dias frios
num tempo que antecede o advento do solstício

foi então que percebi que a míngua sentida 
não era somente de frutos 
mas também das amendoeiras em flor 
projectadas nos teus olhos: 
uma conjugação de seiva e calor por dentro 
das primaveras da vida que correm indiferentes 
às imposições da física dos elementos 

sim, fez frio, muito frio, 
numa noite de Maio junto ao mar. 

forjado na demanda dos pontos cardeais 
habituei-me a que meu olhos 
encontrassem por fim repouso 
perdidos em horizontes feitos de água 

mas tu deitaste mão da chave que era tua 
abriste a porta e estendeste os ramos 
negaste as lógicas da física 
e a ciência por detrás dos elementos 
partilhaste comigo o cheiro das flores 
e o sabor dos frutos 
e reclamaste teu o calor que por fim 
influíras no meu peito.



rui amaral mendes in a noite o sangue [2016] ©

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