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quinta-feira, 23 de maio de 2019

Clara Maria Barata





Alheamento
Dentro de ti há um bicho ferido a adejar num motim de sombras. Cerras as pálpebras, navegas o sonho, que a insónia te consente, de um tempo em que os silêncios se vestiam de azul, tinham a eloquência dos poemas de amor, rios turbulentos de luz perseguindo a efervescência dos dias, despertando a raiz das águas e a vocação do fogo.
Lá fora o sol precipita-se, em vertigem, pela janela, sigo o movimento da luz nos teus cabelos, toco o teu rosto ocluso, fustigado pela chuva de um precoce inverno, olhas-me, ausente, regressas ao passado, rodeiam-te vozes que nunca chegaram a partir, olhares de um tempo que não existe e teimam em ficar. Exausto, bêbado de lodosas águas, abandonas-te nos meus braços, à espera da manhã que já chegou, finges dormir…
…justamente hoje que queria falar-te de beijos…


Clara Maria Barata

 in “No silêncio das luzes e das sombras”


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