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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Vasco Gato







tranquilidade
Ter esta chuva mansa 
a palpitar pelas ruas como 
metrónomo que denunciasse 
os recursos imperceptíveis 
com que dentro de mim 
se vai reeditando 
a tua presença

Ludibriar a congestão dos dias 
com um assomo de dança, 
duas ou três árvores 
electrificadas pelo coração distante, 
a transfiguração de uma época 
esbanjada na pedra dos cemitérios, 
todo o cansaço ilegalizado 
por um músculo mais amplo, 
tecido inquebrável 
desta minha natureza 
de teu

Porque o que esse olhar me traz ainda 
apesar do grande pulmão de fuligem 
que se interpôs no nosso voo 
é a esperança numa esquina 
assaltada pelo ferro 
de uma antiga ternura 
da qual não sobrou religião, 
meramente esta alameda 
de poemas mais ou menos assinados 
com que homens e mulheres 
vão desmanchando 
- será? - 
a vileza dos séculos

Quero agora concluir 
as horas derradeiras desta espera 
com uma inclinação de varanda, 
puxar de toda a roupa que trago 
e estender-me aos pingos insistentes 
que anunciam os teus pés, 
enxertar um tempo mais conseguido 
no sangue, na recusa 
da morte branda, 
e ficar deste modo, 
sem exagero de água, 
a precipitar para a rua 
a mão que, nadando na treva, 
escavaste em mim

Vasco Gato   
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1 comentário:

mariferrot disse...

Tranquilidade, um SE no meio do riso ou do choro, uma porta de vaivém que ao oscilar deixa entrar tanto vento quanto aquele que sai !!!... <3

BJ Conde <3