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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Nuno Júdice






Dizes-me que tenho uma visão negra do mundo, quando
o frio das imagens se sobrepõe à alegria que devia nascer
da manhã. Conversemos sobre isto: a poesia faz-se sobre
o ruído do mar, mesmo quando o mar está longe, e
as ondas rebentam dentro das paredes que me
rodeiam, enquanto uma espuma sobe pelas madeiras
das portas, enchendo a casa de um cheiro a algas. Depois,
os versos suam um salitre de significados: limpo-os
da solidão, dos sacrifícios da memória, da surpresa
ébria dos sons. Quero que estes versos fiquem mudos
quando te virem chegar, e tu fores toda a poesia do seu
canto. Tu, a minha musa verdadeira, a quem estendo
o espelho da estrofe para que o teu rosto surja de
dentro dela, com os lábios que beijei, aprendendo
o gosto do amor. Assim, esta imagem do mundo pode
mudar a meio de um poema. Basta que tu entres por
dentro dele, batendo com as suas portas, e fazendo-me
sentir a tua presença, mesmo que estejas longe. É
um vento que sopra nas minhas veias, até à cabeça,
onde limpa as nuvens mais cinzentas, abrindo esse azul
de que as aves gostam. Tu, com quem converso sobre
o sentido da vida, ouvindo o teu riso sobre esta maré
que baixa com as vozes que o desejo submerge, enquanto
antigas gaivotas pousam numa areia de murmúrios. 



Nuno Júdice


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