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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

DH Lawrence




lembrança ..




















Suavemente, no crepúsculo, uma mulher está cantando para mim; 
Tirando-me de volta à vista dos anos, até que eu vejo 
Uma criança sentada ao lado do piano, no boom das cordas de formigamento 
E pressionando os pés pequenos e equilibrados de uma mãe que sorri enquanto canta. Apesar de mim mesmo, o insidioso domínio da canção me trai, até que o coração de mim cheira a pertencer às velhas noites do domingo em casa, com o inverno de fora E os hinos no acolhedor salão, o piano tilintar nosso guia. Então, é inútil que o cantor exploda o clamor com o grande appassionato de piano preto. O glamour dos dias infantis está sobre mim, minha masculinidade é derrubada no dilúvio da lembrança, eu choro como uma criança pelo passado.

 DH Lawrence

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

INTEMPORAL / MÚSICA



Nada na vida é por acaso.










segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Jorge Sousa Braga







adormecer...


Adormeço sempre com o teu mamilo
entre os dedos da minha mão
E o meu sono é tranquilo
como o das rosas

Jorge Sousa Braga




domingo, 25 de fevereiro de 2018

Algum lugar......






Algum lugar



Algum dia, em algum lugar 
Nós encontraremos um novo modo de vida 
Nós encontraremos uma maneira de perdoar 
Em algum lugar ... 
Há um lugar para nós 
Em algum lugar um lugar para nós 
Paz e sossego e ar livre 
Espere por nós 
Em algum lugar 
Há um tempo para nós 
Algum dia haverá um tempo para nós 
Tempo junto com tempo para poupar 
Tempo para aprender, tempo para cuidar 
Someday, em algum lugar 
Nós encontraremos um novo modo de vida 
Nós acharemos que há uma maneira de perdoar em 
algum lugar ... Em algum lugar ... Em algum lugar ... 
Há um lugar para nós 
Um tempo e um lugar para nós 
Segure minha mão e estamos a meio caminho, 
segure minha mão e eu vou te levar de 
alguma forma ...
Algum dia em algum lugar...


Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"





Se Me Esqueceres


Quero que saibas 
uma coisa. 

Sabes como é: 
se olho 
a lua de cristal, o ramo vermelho 
do lento outono à minha janela, 
se toco 
junto do lume 
a impalpável cinza 
ou o enrugado corpo da lenha, 
tudo me leva para ti, 
como se tudo o que existe, 
aromas, luz, metais, 
fosse pequenos barcos que navegam 
até às tuas ilhas que me esperam. 

Mas agora, 
se pouco a pouco me deixas de amar 
deixarei de te amar pouco a pouco. 

Se de súbito 
me esqueceres 
não me procures, 
porque já te terei esquecido. 

Se julgas que é vasto e louco 
o vento de bandeiras 
que passa pela minha vida 
e te resolves 
a deixar-me na margem 
do coração em que tenho raízes, 
pensa 
que nesse dia, 
a essa hora 
levantarei os braços 
e as minhas raízes sairão 
em busca de outra terra. 

Porém 
se todos os dias, 
a toda a hora, 
te sentes destinada a mim 
com doçura implacável, 
se todos os dias uma flor 
uma flor te sobe aos lábios à minha procura, 
ai meu amor, ai minha amada, 
em mim todo esse fogo se repete, 
em mim nada se apaga nem se esquece, 
o meu amor alimenta-se do teu amor, 
e enquanto viveres estará nos teus braços 
sem sair dos meus. 


Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda" 

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sábado, 24 de fevereiro de 2018

Nuno Júdice







Sonhei contigo embora nenhum sonho


Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes tu, a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefação de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
das fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.
Nuno Júdice  

Foto de Antonio Maria.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

isabel de carvalho sousa // Lua Diurna








Silêncios vivos//isabel de carvalho sousa
Guardo-te nas memórias
de um tempo luz....
um tempo de palavras inseguras
de silêncios vivos
a resguardar as manhãs de azul .
No amor, profanado por esfinges,
ocultam-se imagens rebatidas...
são de pedra , os olhos e as mãos...
invadem-me as palavras,
os sonhos
gemem e ardem.
Silêncios abrem-se
na noite dos poemas,
ao desabrigo das palavras .

isabel de carvalho sousa   
Lua Diurna   


Foto de Lua Diurna.

Hilda Hilst





Desde sempre em mim





Contente. Contente do instante 
Da ressurreição, das insônias heróicas 

Contente da assombrada canção 
Que no meu peito agora se entrelaça. 
Sabes? O fogo iluminou a casa. 
E sobre a claridade do capim 
Um expandir-se de asa, um trinado 

Uma garganta aguda, vitoriosa. 

Desde sempre em mim. Desde 
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo 
Nas ermas biografias, neste adro solar 
No meu mudo momento 

Desde sempre, amor, redescoberto em mim.


Hilda Hilst 

(1930-2004)






Poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. É considerada pela crítica especializada como uma das maiores escritoras em língua portuguesa do século XX.

José Régio - Cântico Negro







“Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!”

José Régio - Cântico Negro

FOTO DO  AUTOR DESTE BLOG

Foto de Antonio Maria.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Miguel Torga







Recomeça….

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga  

Foto de Antonio Maria.


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Pablo Neruda





































Um homem diz sim sem saber 
como decidir até mesmo o que é a pergunta, 
e é apanhado, e então é carregado 
e nunca mais se escapa de seu próprio casulo;
e é assim que somos, para sempre cair 
no bem profundo de outros seres;
e um fio se envolve em nossos pescoços, 
outro se entrelaça um pé, e então é impossível, 
impossível se mover, exceto no poço -
ninguém pode nos resgatar de outras pessoas. Parece que não sabemos falar; Parece que há palavras que escapam,  que estão faltando, quando foram embora e nos deixaram a nós  mesmos, enrolados em armadilhas e fios. E de uma só vez, é isso; já não sabemos 







do que se trata, mas estamos profundamente dentro dele, 
e agora nunca vamos ver com os mesmos olhos 
que fazemos quando fazíamos crianças.
Agora, esses olhos estão fechados para nós, 
agora nossas mãos emergem de braços diferentes. E, portanto, quando você dorme, você está sozinho em seus sonhos  e corre livremente através dos corredores  de um único sonho, que pertence a você. Oh, nunca deixe que eles venha roubar nossos sonhos,  nunca os deixem entrelaçar na nossa cama. Aguentemos as sombras  para ver se, da nossa própria obscuridade,  emergimos e nos seguimos pelas paredes,  aguardamos a luz, a capturamos,  até, de uma vez por todas,
torna-se o nosso próprio, o sol de todos os dias.


 Pablo Neruda




domingo, 18 de fevereiro de 2018

PAULA MENDONÇA







Saudades
Saudades do tempo...
em que acendíamos os beijos
na chama da paixão

Percorríamos cada curva dos nossos corpos
com a suavidade
com que o oleiro molda o barro

Em que nos entregávamos
indiferentes ao fluir das horas...
sem regras nem tréguas

Saudades do tempo
em que os meus olhos eram o teu espelho
O meu corpo, o teu abrigo
A minha pele, a tua roupa

Saudades do tempo 
em que éramos dois corpos e uma só alma…
Agora não sei mais o que somos
Sei tão-só de mim
Trago uma ferida aberta no lugar do coração…
e uma alma errante, perdida algures 
nas lembranças de um tempo passado.


PAULA MENDONÇA


sábado, 17 de fevereiro de 2018

Nuno Júdice

















































Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres a rua que desemboca
noutras ruas, e as pessoas que se cruzam, no início da
manhã, sem pensarem com quem se cruzam
em cada início de manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. Mas
o dia nasceu - um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua. Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar, esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
o teu gesto; ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça.


Nuno Júdice

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Paula Raposo







Por ti...
Damos as mãos, em simultâneo,
nem sequer nos olhamos,
basta o tacto, e esse calor
húmido que me inebria.
Quero sentir-te,
fervilhar no afago da tua mão,
e derreter-me nas mãos do nosso amor.
Não me deixes,
segura-me ainda,
aperta-me, enlouquece-me;
desliza pelo meu corpo
que te espera, entra em mim.
Deixa que eu me entregue
pelo tempo que o tempo dura,
vive por mim, em mim,
o momento de ser tua.


Paula Raposo in ' canela e erva doce' , pág.11, 2006 - Magna Editora


Foto de Antonio Maria.

Carlos de Oliveira



























Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lajes ou a vida, tanto,
que levantar a torre do meu canto
é recriar o mundo pedra a pedra;
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras do fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento. 



Carlos de Oliveira

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Pedro Abrunhosa





Beijo



Não posso deixar que te leve
O castigo da ausência,
Vou ficar a esperar
E vais ver-me lutar
Para que esse mar não nos vença.
Não posso pensar que esta noite
Adormeço sozinho,
Vou ficar a escrever,
E talvez vá vencer
O teu longo caminho.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Leva os meus braços,
Esconde-te em mim,
Que a dor do silêncio 
Contigo eu venço
Num beijo assim.

Não posso deixar de sentir-te
Na memória das mãos,
Vou ficar a despir-te,
E talvez ouça rir-te
Nas paredes, no chão.
Não posso mentir que as lágrimas
São saudades do beijo,
Vou ficar mais despido
Que um corpo vencido,
Perdido em desejo.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.



Pedro Abrunhosa 

Helena Guimarães







Não, não é desejo o que sinto!
É esta fome de ti
como se não houvesse caminho
para caminhar,
ar para respirar,
água para molhar-me
os lábios ávidos,
palavras para alimentar-me o dia,
brisa para refrescar-me
a alma esquiva,
um abraço para
velar-me o sono,
um canto para
o meu abandono,
nesta imensa caminhada
que é a minha vida.


Helena Guimarães 

Foto de Antonio Maria.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'




Estou Mais Perto de Ti porque Te Amo

Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras. 
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.
Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.
Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.
Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'

Foto de Antonio Maria.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Hamilton Ramos Afonso







Habitar-te em sonhos...
Quero povoar-te os sonhos , 
colorir-te as noites ,
levando o meu corpo para junto do teu , 
abraçando-o , em laivos de ternura ,
deixando nele o meu perfume a alfazema
e trazendo comigo o teu odor a jasmim...

Quero realizar um suave bailado
com as minhas mãos a percorrerem,
com a ponta dos dedos em suave carícia, 
cada milímetro da tua pele
e fazer nascer no teu rosto um sorriso , 
provocado pelos arrepios
que na pele sentes , como se fosse percorrida
por dez suaves penas...

Quero pousar, suavemente ,os meus lábios nos teus
e devagarinho , entreabrir os teus ,
neles depositando o perfume do amor 
que te tenho , deixando na tua alma , 
dessa forma ,o halo da minha , 
alimentando assim a união das duas numa só...

Quero habitar-te nos sonhos, 
para que se cumpra sempre 
o que prometemos um ao outro , 
o propósito de habitarmos o coração de cada um, 
e deles cuidarmos com zelo,
cimentando o nosso afecto


Em « Sensual Idades », Emporium Editora a publicar em 2018

Hamilton Ramos Afonso
Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.


António Carlos Cortez





























Adorei a cor do teu vestido
A cor de quando à noite a pele nos toca

Pudessem as minhas mãos ser o vestido
(estrangular-te a pele que me provoca)



António Carlos Cortez

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

José Carlos Ary dos Santos







Estigma

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos
O que os homens não querem.
Ao vento arremessamos
As verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos.
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos
Mas que somos.

José Carlos Ary dos Santos, in "Obra Poética", pág.51, Edições Avante





MISTÉRIOS DA "PASSARINHA"..ATENÇÃO.....





MISTÉRIOS DA "PASSARINHA"..ATENÇÃO.....

UM TEXTO MUITO DIVERTIDO EM QUE SE AFIRMA QUE SÓ AS MULHERES TÊM A ULTIMA PALAVRA

O orgasmo feminino é uma coisa da qual as mulheres percebem muito pouco, e os homens ainda menos.
Pelo facto de ser uma reação endócrina, que se dá sem expelir nada, não Foto de Fernando Inacio.se apresenta nenhuma prova evidente de que aconteceu, ou de que foi simulado.
Diante deste mistério, investigações continuam, pesquisas são feitas, centenas de livros são escritos, tudo para tentar esclarecer este assunto.
A acompanhar este tema, deu um destes dias uma entrevista na TV uma conhecida sexóloga, que apresentou uma pesquisa feita nos Estados Unidos na qual se mediu a descarga eléctrica emitida pela "periquita" no instante do orgasmo.
Os resultados mostram que, na hora H, a "pardaleca" dispara uma carga de 250.000 micro volts. Ou seja, 5 "passarinhas" juntas, ligadas em série na hora do "ai meu Deus", são suficientes para acender uma lâmpada.
E uma dúzia é capaz de provocar a ignição no motor de um Carocha com a bateria em baixo.
Já há até mulheres a treinar para carregar a bateria do telemóvel: dizem que é só ter o orgasmo e, tchan... carregar.
Portanto, é preciso ter muito cuidado porque aquilo, afinal, não é uma rata: é uma torradeira eléctrica !!!
E se der curto-circuito na hora de "virar os olhos"? Além de vesgo, fica-se com a doença de Parkinson e com a "salsicha" assada.
Preservativo agora é pouco: tem de se mandar encamisar na Michelin.
E, no momento da descarga, é recomendado usar sapatos de borracha, não os descalçar e não pisar o chão molhado.
É também aconselhável que, antes de se começar a molhar o "biscoito", se pergunte à parceira se ela é de 110 ou de 220 volts, não se vá esturricar a "alheira".
O aviso está feito!!!



sábado, 10 de fevereiro de 2018

Eugénio de Andrade






elegia...
Para sempre um luar de naufrágio 
anunciará a aurora fria. 
Para sempre o teu rosto afogado, 
entre retratos e vendedores ambulantes, 
entre cigarros e gente sem destino, 
flutuará rodeado de escamas cintilantes.

Se me pudesse matar, 
seria pela curva doce dos teus olhos, 
pela tua fronte de bosque adormecido, 
pela tua voz onde sempre amanhecia, 
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra 
era um rumor de festa, 
pela tua boca onde os peixes se esqueciam 
de continuar a viagem nupcial. 
Mas a minha morte é este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo, 
com uma espinha de silêncio 
atravessada na garganta.

Não sei se te procuro ou se me esqueço 
de ti quando acaso me debruço 
nuns olhos subitamente acesos 
ao dobrar duma esquina, 
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidão bebida pelos bares, 
nas mãos levemente adolescentes 
pousadas na indolência dos joelhos. 
Quem me dirá que não é verdade 
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido, 
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?

Ninguém te conheceu, 
ninguém viu romper a luz na tua cama, 
ninguém sabe, ninguém, 
que o teu corpo, continente selvagem, 
se desvelava por uma pedra branca
atirada contra o nevoeiro.

Por isso escrevo esta elegia 
como quem oferece a luz dos olhos; 
por isso canto o teu rosto afogado 
como quem canta um funeral de espigas.


Eugénio de Andrade 

Foto de Antonio Maria.