Seguidores

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

CESÁRIO VERDE




 Eu que sou feio, sólido, leal,
 A ti, que és bela, frágil, assustada,
 Quero estimar-te, sempre, recatada
 Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa de um café devasso,
 Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
 Nesta babel tão velha e corruptora,
 Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorrestes um miserável,
 Eu, que bebia cálices de absinto,
 Mandei ir a garrafa, porque sinto
 Que me tornas prestante, bom, sudável.
«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
 E pus me a olhar, vexado e suspirando,
 O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
 Na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
 E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
 Nessa cintura tenra, imaculada.
 ...
 Soberbo dia! Impunha-me respeito
 A limpidez do teu semblante grego;
 E uma família, um ninho de sossego,
 Desejava beijar o teu peito.
Com elegância e sem ostentação,
 Atravessavas branca, esbelta e fina,
 Uma chusma de padres de batina,
 E de altos funcionários da nação.
«Mas se a atropela o povo turbulento!
 Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
 Ao pé de um numeroso ajuntamento,
E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,
 Julguei ver, com a vista de poeta,
 Um pombinha tímida e quieta
 Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então que eu, homem varonil,
 Quis dedicar-te a minha pobre vida,
 A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
 Eu, que sou hábil, prático, viril.

CESÁRIO VERDE   



Sem comentários: