É provável, sim, é
provável que ainda a ame, que ame nela o que antes soube amar, a
cabeleira escura, o ventre inquietante, o peito guardando a alegria de
um coração solar. Os meus olhos profundos sempre a contemplaram
visivelmente perturbados, até mesmo perdidos, quando ela caminhava
abrindo rasgões no ar que se fechavam depois à sua passagem para
cingir-lhe os braços, os seios e as ancas. A sua boca tremeu na minha
com a sede da música e o seu contacto era o do musgo e o da cinza, e
dessas cerejas maduras pelo lume de maio. Não sei se estou a endeusá-la
ou se ela é uma deusa. Não sei mesmo se conseguirei dizer dela quanto
gostaria. Ela está tão perto do meu corpo que a minha pele se acende, e
tão longe dos meus olhos que só poderei lembrá-la. Fizémos muito amor e
sempre muitas vezes, sem que entre nós esvoaçasse uma minima sombra.
Quando ficávamos tristes, é que o espanto crescia até ao minuto primeiro
da tristeza. É uma mulher maravilhosa, o seu nome que importa?, tão
frágil como um menino inocente, assim desamparada, correndo para a
loucura como antes correu para os meus braços. Nenhuma paixão poderia
doer-me mais. Nenhuma ternura poderia mimar-me tanto. O meu poema é uma
casa erguida com a sua beleza, onde ela entra e de onde sai e algumas
vezes se demora. Poderei dizer que o meu coração é uma sala vazia? A sua
recordação ainda me perturba e disso tenho consciência. Amo-a ainda, ou
não a amo já, é impossível dizer. Mas é provável, sim, é provável que
ainda a ame.
Joaquim Pessoa,
1 comentário:
Vim matar as saudades meu conde e deixar um carinho!
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