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sábado, 31 de julho de 2021

Hamilton Ramos Afonso

 Alegria

*
Hamilton Ramos Afonso
*
Aproveita a alvorada,
com os seus raios de sol a despertar e a chamar-te para a vida
e baila ao som da harmonia do céu,
imaculadamente azul, sem a mancha do branco das nuvens...
Dança na orla da praia,
na areia molhada
e eleva-te à lua ,
que vem iluminar-te , nos requebros da dança da vida ,
quando vens e páras em frente dos meus olhos
para que te possa ver...
*
Arte: Ashvin Harrison




sexta-feira, 30 de julho de 2021

Vasco Gato

 





nas palavras lavo os panos tristes 
que ao fim de uma estação retêm agora 
a sensação dos dias, o lume dos passos.

sinto que é um outro tempo, 
um outro jeito de dobrar esquinas, 
um outro modo de pisar a terra 
- é tudo isto comprimido num pulso, 
cingido dentro de veias como pequenas vozes 
mudadas em canções ao acordar o ano. 

vem, vem comigo, neste magnífico nascimento, 
ouvir bater a espuma no cinzento das rochas, 
e deixar passar as horas como quem flutua 
à tona do tempo, inteiramente mergulhado no mundo
- vem dormir sob o luminoso manto da lua.

hei-de dizer-te um dia 
como se escolheu a cor do mar. 


Vasco Gato




quarta-feira, 28 de julho de 2021

DE ONDE

 

DE ONDE

 


De onde vem esta nostalgia vazia

Este tédio obscuro

Esta sensação insensível

Este desintegrar-se integrando-se

Esta dor prazer

Esta tristeza alegre

Esta vontade de dizer chegamos

Sem ter ido a parte alguma.

Esta sensação de nada repleta de tudo.

Este dormir sem sono,

Este sonhar sem sonho,

Este sentimento preso e extravasado,

Enfim, esta necessidade supérflua de você.


Ilustração: A mente é maravilhosa. 

(De "Apocalypse", Editora Per Se).





terça-feira, 27 de julho de 2021

M.O.M. (Brisa)

 Quando tu não estás...

Fecho os meus olhos...
para escutar a tua voz
a dizer amor...
a dizer que me queres.
Fecho os meus olhos...
e vejo as tuas mãos
a procurarem as minhas
e os teus dedos
a deslizar pelo meu rosto.
Desperto do momento...
e sinto
que tu estás a chamar por mim.
M.O.M. (Brisa)




segunda-feira, 26 de julho de 2021

 

Poesia à segunda

 Praia do paraíso

Era a primeira vez que nus os nossos corpos

apesar da penumbra à vontade se olhavam

surpresos de saber que tinham tantos olhos

que podiam ser luz de tantos candelabros

 Era a primeira vez Cerrados os estores

só o rumor do mar permanecera em casa

E sabias a sal E cheiravas a limos

que tivessem ouvido o canto das cigarras

Havia mais que céu no céu do teu sorriso

madrugada de tudo em tudo que sonhavas

Em teus braços tocar era tocar os ramos

que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo

É preciso afinal chegar aos cinquenta anos

para se ver que aos vinte é que se teve tudo

(David Mourão-Ferreira)





sábado, 24 de julho de 2021

1954 Cecília Meireles

 Poesia

o vento vai sonhando o pó
onde tristemente o amor palpitará.
Este é o começo do dia.
Vemos tudo o que já foi visto,
alguma coisa não mais se verá.
Nem sempre olhamos o dia
tão face a face e tão docemente.
Nem sempre sentimos esta saudade,
ainda ausente, ainda futura,
do que há e do que não há.
Este é o começo do dia:
- do céu, da luz, da terra, dos homens,
que acontecerá?

1954
Cecília Meireles



sexta-feira, 23 de julho de 2021

Sopro © Coucelo , Vejo-te chegar ........


Vejo-te chegar como a gazela vê chegar o incêndio.
Tua língua rasga o torpor das savanas austrais,
é raio rasgando-me a pele e a sede.
Cuidadosa e lentamente, aqui e acolá,
sopras pequenos fogachos, delícias de pirómano
que ardem devagar devagarinho na carne toda
em sulcos, lentamente, por baixo e por dentro.
Vens, como uma trovoada de chamas
inundar-me de ti, afogar-me na tua boca,
e divertes-te a saltar de charco em charco
semeando pequenos peixes verdes e azuis
como berlindes jogados e esquecidos,
à medida que o fogo se vai consumindo
e a cinza é toda de lava fumegante.
Do teu orvalho despontam verdes raízes,
todos os meus músculos de relva fresca,
um tapete de flores semeado a olho
mil cores de mil feitios e mil cheiros…
Um milagre recebido de joelhos e olhos rasos,
a explosão primordial toda fechada num casulo!
E depois, deitas-te a meu lado,
minhas mãos exaustas, suadas,
nas tuas mãos exaustas, suadas,
a pele toda ocre, o cheiro a terra mexida.
Nos teus olhos de amêndoas da lua
me perco, me banho, me purifico.
Como o dente-de-leão despedaço-me ao vento.




quinta-feira, 22 de julho de 2021

Cidália Ferreira

 quinta-feira, 22 de julho de 2021

No despertar da melancolia...

 *****
Deambulando sobre os segredos do mar
Escutando, o murmurar das ondas puras
E no areal, deixar, as palavras inseguras
Que me fazem esta melancolia despertar
*
Sinto, o que a frescura do tempo me traz
Numa saudade estranha, que não rejeito
Mas deambulando nas brumas do desejo
Imagino, que um dia tudo voltará em paz
*
Sinto que a brisa marinha me lava o rosto
E numa desorientação por mero desgosto
Espero, que o fim do dia traga um sorriso
*
Deambulo, sobre os segredos da maresia
Deixo um olhar carente, e outro de magia
Mas, espero que chegues num improviso

****



Raquel Lacerda

 Tens flores dentro da pele

daquelas que se transformam em pétalas
no teu cabelo feito de vento
num dia quente.
Tens asas dentro dos olhos
com eles vês por detrás do céu
aquele onde te deitas
quando precisas de repousar.
Tens mãos feitas de terra
terra pura que contigo levas
e que deitas inocentemente
no canteiro dos corações.
Tens letras desenhadas nos pulsos
poemas que escreveste com os lábios
de todas as vezes que amaste
sem amar, amando sempre.
Tens a cor verde a pulsar nos ombros
onde carregas, porque és fortaleza feita de areia,
a vida toda que tens para te dar.
Raquel Lacerda




© francisco valverde arsénio

 Tão Simples Quanto Nós

“sabes, gostaria de aprisionar o teu coração
por entre as palavras que finjo serem poemas,
como se tatuasse os teus sonhos ou esquecesse como cheiram as rosas,
sabes, a noite mata as ilusões e alimentam as sombras esquecidas das ondas,
sabes, claro que sabes que se faz de areia o nome
que trazes preso nas mãos quando passas por mim.
Sabes… eu sei.”
© francisco valverde arsénio
in “poemas imperfeitos”
28 de Junho de 2021
Todos os direitos reservados
Imagem da NET sem referência ao autor




quarta-feira, 21 de julho de 2021

Mia Couto, em “Raiz de Orvalho e outros poemas”.

 

Amei-te sem saberes
No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidão
eu te amei
e acariciei
o teu imperceptível crescer
como carne da lua
nos nocturnos lábios entreabertos

E amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventar

No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepúsculo e alvorada

Para me acostumar
à tua intermitente ausência
ensinei às timbilas

a espera do silêncio


 Mia Couto, em “Raiz de Orvalho e outros poemas”. Lisboa: Editorial Caminho, 1999.

terça-feira, 20 de julho de 2021

 

RECONCILIAÇÃO

 



É sempre assim

quando tudo parece muito bem 

a sensação de tédio vem,

ou, pelo menos, se confessa 

entediada

porquê entre nós não muda nada.

É sempre assim

forma-se a tempestade 

de um copo de água,

cresce, tudo inunda 

e se transforma em mágoa

e me manda, enfurecida

ir cuidar da minha vida;

me manda passear

em outro lugar. 

É sempre assim

quando menos se espera

a nuvem negra passa e me chama,

talvez, por costume, 

explica o que não precisa explicar.

O olhar, que não mente, 

me diz o que sente 

e o que houve se esquece

quando não se deixa de amar. 





sábado, 17 de julho de 2021

Max Ehrmann

 DESIDERATA

Vá placidamente em meio ao barulho e à pressa,
e lembre-se da paz que pode haver no silêncio.
Tanto quanto possível, sem se render,
tenha boas relações com todas as pessoas.
Fale sua verdade calma e claramente;
e ouvir os outros,
mesmo os estúpidos e ignorantes;
eles também têm sua história.

Evite pessoas barulhentas e agressivas,
pois elas aborrecem o espírito.
Se você se comparar com os outros,
pode se tornar vaidoso e amargo;
pois sempre haverá pessoas maiores e menores do que você.
Desfrute de suas realizações, bem como de seus planos.

Continue interessado em sua própria carreira, por mais humilde que seja;
é uma posse real nas fortunas cambiantes do tempo.
Tenha cuidado em seus negócios;
pois o mundo está cheio de malandragem.
Mas não deixe que isso o cegue para a virtude que existe;
muitas pessoas se esforçam por altos ideais;
e em toda parte a vida está cheia de heroísmo.

Seja você mesmo.
Principalmente, não finja afeição.
Nem seja cínico sobre o amor;
pois, em face de toda aridez e desencanto
, é tão perene quanto a 

Aceite gentilmente o conselho dos anos,
renunciando graciosamente às coisas da juventude.
Alimente a força de espírito para protegê-lo em uma desgraça repentina.
Mas não se aflija com fantasias sombrias.
Muitos medos nascem do cansaço e da solidão.
Além de uma disciplina saudável,
seja gentil consigo mesmo.

Você é filho do universo,
não menos que as árvores e as estrelas;
você tem o direito de estar aqui.
E esteja ou não claro para você,
sem dúvida o universo está se desenvolvendo como deveria.

Portanto, esteja em paz com Deus,
seja o que for que você o conceba,
e quaisquer que sejam seus trabalhos e aspirações,
na confusão barulhenta da vida, mantenha a paz com sua alma.

Seja prudente e faça tudo para ser feliz!


Max Ehrmann, em “Desiderata: um caminho para a vida”. [tradução Iva Sofia Gonçalves Lima]. Edições de Bolso. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2006. (Max Ehrmann, Desiderata, Copyright 1952).




Herberto Helder

Elegia múltipla
III

Havia um homem que corria pelo orvalho dentro.
O orvalho da muita manhã.
Corria de noite, como no meio da alegria,
pelo orvalho parado da noite.
Luzia no orvalho. Levava uma flecha
pelo orvalho dentro, como se estivesse a ser caçado
loucamente
por um caçador de que nada sabia.
E era pelo orvalho dentro.
Brilhava.

Não havia animal que no seu pêlo brilhasse
assim na morte,
batendo nas ervas extasiadas por uma morte
tão bela.
Porque as ervas têm pálpebras abertas
sobre estas imagens tremendamente puras.
Pelo orvalho dentro.
De dia. De noite.
A sua cara batia nas candeias.
Batia nas coisas gerais da manhã.
Havia um homem que ia admiravelmente perseguido.
Tomava alegria no pensamento
do orvalho. Corria.

Ouvi dizer que os mortos respiram com luzes transformadas.
Que têm os olhos cegos como sangue.
Este corria assombrado.
Os mortos devem ser puros.
Ouvi dizer que respiram.
Correm pelo orvalho dentro, e depois
estendem-se. Ajudam os vivos.
São doces equivalências, luzes, ideias puras.
Vejo que a morte é como romper uma palavra e passar

– a morte é passar, como rompendo uma palavra,
através da porta,
para uma nova palavra. E vejo
o mesmo ritmo geral. Como morte e ressureição
através das portas de outros corpos.
Como uma qualidade ardente de uma coisa para
outra coisa, como os dedos passam fogo
à criação inteira, e o pensamento
pára e escurece

– como no meio do orvalho o amor é total.
Havia um homem que ficou deitado
com uma flecha na fantasia.
A sua água era antiga. Estava
tão morto que vivia unicamente.
Dentro dele batiam as portas, e ele corria
pelas portas dentro, de dia, de noite.
Passava para todos os corpos.
Como em alegria, batia nos olhos das ervas
Que fixam estas coisa puras.
Renascia.

Herberto Helder





Ouça Herberto Helder 
recitando o poema ‘Elegia Múltipla – III’, do livro «A Colher na Boca» (1961). Registrado em disco Vinyl, editado pela Philips, para a série Poesia Portuguesa (1968).  Música: Gustavo Santaolalla e Thomas Newman



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