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terça-feira, 28 de julho de 2020

................. Mia Couto






         Pergunta-me

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te
quero dizer

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

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1 comentário:

mariferrot disse...

Um Escritor, mestre na arte de encantar aqueles que saboreiam a sua escrita e memorizam as suas belas descrições, vem aqui com profundo sentido Poético dar a entender que muitas vezes queremos perguntas para respondermos apenas, em tom abafado, para dentro de nós !!!... <3

Bj Conde