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terça-feira, 6 de junho de 2017

Fernando Pinto Amaral

(das) rosas
Murcharam por engano as rosas onde agora
vive outra vez o teu amor por mim:
respiro o que restou do seu aroma
ainda tão recente e, no entanto,
a dissipar-se, como o do teu corpo
colado à minha pele, contaminando-a
com um rasto de alegria em cada poro
aberto a uma certeza que não é,
nunca foi deste mundo, que se eleva
no gelo de fevereiro, pelas frinchas
de portas e janelas, toda a noite.

Queria saber amar-te como aos vinte anos
se ama a escuridão iluminada
dos corpos e das almas, essa névoa
soberana e feliz, mas só me ocorre
pedir solenemente a um deus infantil
que apague num só gesto as nossas vidas
ao longo desses tempos irreais
em que as lágrimas tinham outra fé
na dor irracional que abria ao meio
os nossos corações, ameaçando
deixá-los para sempre à mercê de si próprios.
Nunca é bem assim, eu sei: mais tarde vem
o desejo de ser igual aos outros,
de levar uma vida a que chamem "normal"
e de encontrar alguém para nos embalar
um sono que adormeça os mais antigos sonhos
ou faça deles mera literatura.
Então habituamo-nos a isso
e cremos ser felizes, ao obedecer
às migalhas já secas de um sorriso,
a essa imagem sempre confirmada
no abrigo sereno das fotografias
ou nos espelhos baços que há nos olhos
de quem nos vai saudando, até ao dia
em que todas as cores se tornam estranhas
e em que as velhas rosas ressuscitam
erguendo as suas pétalas em busca 
de um céu mais inesperado e verdadeiro.

Só a partir daí é que sentimos
que podemos ser hóspedes do fogo
e que todas as leis deste mundo se cruzam
na mesma assombração: quem se apaixona
fica a saber que as rosas nunca morrem
quando o amor as dá e as recebe
num calafrio que nos salva e perde
a vida inteira. E tudo, nesse instante
- rostos feitos de luz entre as cinzas dos bares,
angústias ou remorsos em camas de hotel -,
é meu, nas tuas mãos, e desagua
no febril oceano dos teus braços.

Fernando Pinto do Amaral  

Foto de Antonio Maria.

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