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sábado, 30 de abril de 2016

Luís Corredoura dixit

Tua mão sobre os meus lábios colocas
Para que, do que sinto, nada mais diga,
E assim pedes que avance, que prossiga,
Quando com a boca na minha pele tocas.
...
Vacilo, mas tu, versada, a mão deslocas
Mirando-me de um modo que m’intriga,
Que m’excita, que a ser ousado m’obriga
Para ter de ti o que de mim também invocas…
Por instantes, hesitamos, algo impede
O consumar do desejo que m’arrebata,
Algo que tão bem sabes que só sucede
Quando esse teu olhar no meu constata
Que este que sou tudo de ti quere e pede,
O que logo dás por de mim te sentires grata…
 
 
 
Luís Corredoura dixit  
 
 
 

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Nuno Júdice

  
viagens... 
 
 
O amor é esse gato abstracto que emerge...
de um rumor de lençóis para se converter na esfinge
do teu corpo, quanto de voltas e me entregas
a península do teu dorso. Escondes-me o horizonte
com os cabelos para que sejas tu o único
horizonte, e eu o possa tocar com as mãos, moldá-lo
à medida de uma navegação de corpos, como barcos
num sulco dos lençóis. Nesta viagem, sigo a linha
curva das tuas ancas, deixando-me guiar pelos
teus olhos que abres, quando a tua boca se liberta
de uma espuma de murmúrios, e colho dos teus
seios os bagos do desejo. Às vezes, é no teus rosto
que um gesto abstracto substitui o movimento
exacto de um escultor de emoções; de outras vezes,
demoro-me a olhá-lo e perco-me na expectativa
de uma voz que encha de luz o coração
das sombras. Quero ver-te assim, nua neste
véu de palavras com que te envolvo, e
dar-te, à transparência de mármore da ausência,
a pulsação que me conduz a ti, como o vento
que empurra a ave, ou o silêncio que
se converte em canto.

Nuno Júdice  
 
 
 

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Florbela Espanca

Saudades! Sim... talvez... e porque não? Se o nosso sonho foi tão alto e forte Que bem pensara vê-lo até à morte Deslumbrar-me de luz o coração! Esquecer! P...ara quê?... Ah! como é vão! Que tudo isso, Amor, nos não importe. Se ele deixou beleza que conforte Deve-nos ser sagrado como pão! Quantas vezes, Amor, já te esqueci, Para mais doidamente me lembrar, Mais doidamente me lembrar de ti! E quem dera que fosse sempre assim: Quanto menos quisesse recordar Mais a saudade andasse presa a mim!



Florbela Espanca  


 

terça-feira, 26 de abril de 2016

José Luís Peixoto

És  o mundo todo ....

  


Morreste - me . Mas a memória guarda-me o teu cheiro, as tuas mãos e o teu sorriso. Estás em nós e eu estou em ti. Eu jamais seria eu sem a tua presença constante na minha vida. Comparência que eu gostaria de poder prolongar. Mantenho a memória acesa com pedaços de imagens que me fazem sorrir....
Deixaste-te ficar em tudo... os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele 



José Luís Peixoto 




domingo, 24 de abril de 2016

Miguel Afonso Andersen


 
 

 
 
Canto XX

 

  Mesmo que os nossos passos...
nunca se cruzem nas alamedas do futuro,
ainda que não tenha sido possível
a fusão inteira dos nossos corpos,
- não nos percamos.


Ainda que não provemos pela taça maior
o licor amargo e doce deste fel
mesmo que os nossos corpos apenas se tenham aquecido
na fogueira circular dos olhos,
- não nos percamos.

Aprendamos a conhecer o curso dos rios
e a tecer as teias deste tempo.
Saibamos interpretar o sinal da idade
e viver ao ritmo da coragem.
Resistamos ao apelo votivo da lágrima
e não nos percamos.

Não nos percamos
e ainda que a luz deste rumor feneça
saibamos ser como somos
e lutemos para que tudo o mais permaneça.

  Miguel Afonso Andersen
     in "Circum Navegações »
 
 

sábado, 23 de abril de 2016

Nuno Júdice

Na fotografia, só teu rosto ficou
desfocado. À tua volta, o candeeiro, a mesa,
os sofás, o cortinado, são nítidos, e quase...

poderia tocar em cada um deles
e sentir o macio do veludo, a madeira,
o frio do metal, como se as coisas
saíssem de dentro da imagem para
junto de mim. Mas o teu rosto, de linhas
esfumadas sob a mancha dos cabelos,
obriga-me a perguntar a que corpo
pertence, e em que dia obscuro tentei
captar a tua aparência, sem reparar que
te mexeste quando carreguei no botão,
talvez para que não ficasses presa
do meu olhar. Assim, ao ver-te sair
de uma caixa de papéis antigos, é
como se já soubesse que te iria
perder, ou como se tivesses querido
que um dia, ao olhar para o que ficou
da tarde em que nos amámos, tivesse
de perguntar quem és, como te chamas,
e que destino me impuseste quando
me obrigas a lembrar porque guardei,
no meio de papéis inúteis, a fotografia
em que apareces desfocada.



  Nuno Júdice  


 



quinta-feira, 21 de abril de 2016

HAMILTON RAMOS AFONSO

Nesta suave brisa do mar
que me afaga o rosto,
chega até mim
o inconfundível perfume
da tua pele, ...

nas asas da saudade
do teu rosto…




HAMILTON RAMOS AFONSO  
 
 
 
 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

TORMENTO .......

 
Não sei o que tu fazes neste momento.        
Se dormes, como um anjo,
Ou, igual a mim, nem consegues dormir,
Mesmo depois de ter bebido até mais nada sentir.
Bem que deveria proibir meu coração de te amar
E nem pensar na dor que lhe causo com o meu silêncio e a distância,
Quando a culpa é toda minha da covardia e da inconstância.
Mas, sei que irei acordar sem ter teu rosto para olhar
E dormirei sem ter o adorável calor de teu corpo
Me fazendo sonhar que estou vivo e feliz.
Sei que, amanhã, tu podes me apagar da tua vida,
Mas, eu não posso, minha querida,
E nem sei se o destino
Ou a vida quis assim
Me cobrar tão caro,
O prazer, nem sei se raro,
Por ser o que sou,
Um ser que jamais soube
Como deixar para trás
As cadeias de qualquer amor
E segue, como sempre seguiu,
Querendo conservar tudo que gosta
Perdendo, ou não,
Todas as suas apostas.

terça-feira, 19 de abril de 2016

FETICHE


O que você esta esperando?
Fica ai me olhando?
Ta parado por quê?

...
Vem... Sente latejar meu prazer, eu realizo seu fetiche e coloco minhas botas de cabedal
Quer mais? Digas-me o quanto mais...
Deixa de frescura, arranca-me a pouca roupa com aponta de sua boca
Sente a minha libido... Não me deixas de castigo, pra que perder tempo se te quero comigo
Enche-me do teu mel me faz subir ao céu

Olha que eu sou despudorada... Sente o perigo?
Tateando-te com a língua te deixo ao léu
Reencontro no teu cheiro meus segredos escondidos
Hum... Estou maliciosa...

Vem explora também...
Joga-me na cama... Eu sei que você quer, sinto sua respiração ofegar e seu coração pulsar
Sente meu desejo com as pontas dos seus dedos
Esconda meus seios na palma de suas mãos

Você quer?
Eu serei sua felina e você meu domador



Patricia Carvalho  

  (  do blog   http://entreolhares79.blogspot.com/  )  


                                                                            


 

segunda-feira, 18 de abril de 2016

ARTUR EDUARDO BENEVIDES

Em minhas mãos tomo teu rosto agora
E não sei se esse gesto vai ferir-me.
Não sei se fico aqui, pensando em ir-me,
Ou se a teus pés sucumba sem demora.
...
Tenho medo de amar! Vou demitir-me
Desse ofício de sonhos. Vou-me embora.
Mas, o Amor me chama e nele ancora
O meu jeito de ser e de exprimir-me.
Tomo teu rosto, então, por um minuto.
Um grande amor, do eterno claro fruto,
Envolve-me de todo e com loucura.
Entregue fico então ao meu desejo
E ficas em meus braços e te beijo
E morres de prazer e de ventura.


ARTUR EDUARDO BENEVIDES 
 
 
 
 

domingo, 17 de abril de 2016

Joaquin Sabina

Sin Embargo Te Quiero
 
 

 
Me lo dijeron mil veces,
Mas yo nunca quise
Poner atención.
Cuando vinieron los llantos

Ya estabas muy
Dentro de mi corazón.
Te esperaba hasta muy tarde,
Ningún reproche te hacía,

Lo más que te preguntaba
Era que si me querías.
Y, bajo tus besos,
En la madruga',

Sin que tú notaras
La cruz de mi angustia
Solía cantar:
Te quiero más que a mis ojos,

Te quiero más que a mi vida,
Más que al aire que respiro
Y más que a la madre mía.
Que se me paren los pulsos

Si te dejo de querer,
Que las campanas me doblen
Si te falto alguna vez.
Eres mi vida y mi muerte,

Te lo juro, compañero,
No debía de quererte,
No debía de quererte
Y sin embargo te quiero. 
 
 
 

sábado, 16 de abril de 2016

Joaquim Sabina //// Donde Habita El Olvido

Donde Habita El Olvido


 
Cuando se despertó,
no recordaba nada
de la noche anterior,
"demasiadas cervezas",
dijo, al ver mi cabeza,
al lado de la suya, en la almohada...
y la besé otra vez,
pero ya no era ayer,
sino mañana.
Y un insolente sol,
como un ladrón, entró
por la ventana.
El día que llegó
tenía ojeras malvas
y barro en el tacón,
desnudos, pero extraños,
nos vio, roto el engaño
de la noche, la cruda luz del alba.
Era la hora de huir
y se fue, sin decir:
"llámame un día".
Desde el balcón, la vi
perderse, en el trajín
de la Gran Vía.
Y la vida siguió,
como siguen las cosas que no
tienen mucho sentido,
una vez me contó,
un amigo común, que la vio
donde habita el olvido.
La pupila archivó
un semáforo rojo,
una mochila, un peugeot
y aquellos ojos
miopes
y la sangre al galope
por mis venas
y una nube de arena
dentro del corazón
y esta racha de amor
sin apetito.
Los besos que perdí,
por no saber decir:
"te necesito".
Y la vida siguió,
como siguen las cosas que no
tienen mucho sentido,
una vez me contó,
un amigo común, que la vio
donde habita el olvido.  
 
 
 
 
 
 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Mang Ke

Querida

 
Se o teu corpo regressar à primitiva forma:
um pequeno torrão de terra amarela,
jazerei sobre o teu peito
como no princípio aconteceu.
Disponível estou para em luz do sol me transformar
e numa capa solar te envolver.
Voluntária e silenciosamente me fundirei contigo num só corpo.
Se o teu corpo num regato se transformar
voluntariamente deixarei a minha forma
e serei água
disposto a ser sugado
e com com todo o meu sentir
saturar o teu corpo.
 
 
Mang Ke  
 
 
 

Ana Maria Oliveira

Plenitude
 
 
 
Procuro-te nos passos que dou pela praia imensa
Para lá das ondas que me agitam a alma
Nas lágrimas teimosas que do meu fogo caem...

Na tarde serena de chuva calma
Procuro-te no misterioso nevoeiro cerrado
Na espuma branca da água salgada
Na agitação das vagas que me alagam os pés
Na torrente de desejo desenfreada
Procuro-te por entre os meus dedos
Na fortaleza singela do meu abraço em segredo
Em cada interstício do meu corpo
No tormento atroz do meu inevitável degredo
Procuro-te insaciável nas estrelas
Na lua hipnótica que me fascina desgovernada
Na tempestade que inunda os caminhos
No palco de vida frenética inventada
Procuro-te em aconchego no meu seio
E morrerei com um grito sufocado na boca cerrada
Estigmatizada pela escrita transfigurada vicissitude
Procuro-te mas não te encontro!
Num campo verde confiança em quietude
Num céu de nuvens brancas de pureza
Minha irmã apartada beatitude
Procuro-te mas não te sinto!
Amiga companheira e glacial plenitude!


Ana Maria Oliveira


 

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Duas poesias de Natalia Rozenblum





Natalia Rozenblum

La lluvia te resbala
igual que yo.
y a mí me pesa tanto
la ropa
mojada.

A chuva resvala em ti
igual a eu.
e a mim me pesa tanto
a roupa
molhada.

Natalia Rozenblum

Busco pájaros en tu sweater
para poder tocarte
mucho.
los cuento
y te digo
mirá, un mirlo
aunque no tenga idea
si es un mirlo
una paloma
una ratita con alas.


Busco pássaros em tua blusa
para poder te tocar
muito
e os conto
e te digo
olha, um melro
ainda que não tenha ideia
se és um melro,
uma pomba
ou um ratinho com asas.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Beijo eterno
 
 
 
 
Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,...

Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!
...
Diz tua boca: "Vem!"
Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!
Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!  
 
 
..................................................
 
 
 
 

terça-feira, 12 de abril de 2016

Pedro Tamen.

Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava...

em olhos que eram meus, e mais felizes.
 
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
 
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
 
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
 
 
Pedro Tamen.  
 
 
 
 

domingo, 10 de abril de 2016

LUÍS FILIPE MAÇARICO //// Árvore



...
Quero entrar na flor dos
Teus lábios
de cerejeira,
Dançar na carícia amena
Do teu sangue
Arder entre glicínias
e laranjais,
Na brisa quente
do corpo de erva
e barro.
Ser tu e eu
No verso de água
dos gestos em comunhão.
Ficar enfim no teu olhar
Como quem se transforma
em árvore
Depois da longa caminhada.

LUÍS FILIPE MAÇARICO  



 

Gabriel Muller

O FOGO DO AMOR



 Tu me olhas e sinto calor
tu me sorris e fico quente
tu me tocas e eu queimo
tuas mãos acendem minha paixão
...
Vem
me olha
sorri para mim e me toca
Deixa -me abrasar
faze-me arder
me deixa queimar
até que eu fique em chamas
Sufoca as chamas com tua tesão
combate meu calor com teu desejo
extingue o fogo com teu suor
E aí vamos os dois nos derreter...
 
 
Gabriel Muller,poeta Alemão
 
 
 
                                                             

sábado, 9 de abril de 2016

Joaquim Pessoa

Abraça-me



"Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada exist...e a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas.
Abraça-me.
Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram.
Abraça-me.
Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me.
Uma vez só.
Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes."



Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum' 




 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Uma poesia de Isabella Leardini


 
Isabella Leardini                                                                   

E dicono che se ci sei anche tu
sembro meno nervosa...
E’ che mi togli i nervi e te ne vai...
So solo che la curva del tuo collo
è il posto più perfetto che ci sia
per questa fronte
e se mi abbracci è come entrare in casa
sapendo che non ci si può restare.

E dizem que se estais aqui
pareço menos nervosa...
Será que me acalmas os nervos e te vais...
Só sei que a curva do teu colo
é o lugar mais perfeito  que tenho
pela frente
e que, se me abraças, é como entrar em casa
sabendo que não é possível ficar calma.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Nuno Júdice



Arte Poética com Citação de Holderlin

O poema lírico nasceu de uma roseira. Não...

digo que fosse a rosa de cima, aquela que todos
olham, primeiro que tudo, pensando
em cortá-la para a levarem consigo. É
a rosa nem branca nem vermelha, a rosa pálida,
vestida com a substância da terra
a que toma a cor dos olhos de quem a fixa, por
acaso, e ela agarra, como se tivesse
mãos abstractas por dentro das suas folhas.
Colhi esse poema. Meti-o dentro de água,
como a rosa, para que flutuasse ao longo de um rio
de versos. O seu corpo, nu como o dessa mulher
que amei num sonho obscuro, bebeu a seiva
dos lagos, os veios subterrâneos das humidades
ancestrais, e abriu-se como o ventre da
própria flor. Levou atrás de si os meus olhos,
num barco tão fundo como a sua própria
morte.
Abracei esse poema. Estendi-o na areia
das margens, tapando a sua nudez com os ramos
de arbustos fluviais. Arranquei os botões
que nasciam dos seus seios, bebendo a sua cor
verde como os charcos coalhados do outono. Pedi-lhe
que me falasse, como se ele só ainda soubesse
as últimas palavras do amor.
 
Nuno Júdice 


(Metáfora contínua de um único sentimento).

Arte : Fabiano Millani - Tutt'Art@   
 
 
 
                                       

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Pedro Tamen

 

 

    

E nisso haver. E nisso persistir.
Pensar perder-me em nada diluído
pela bola de neve que me desses
instantânea mas branca. Conseguir
amores de bruma e de estampido
num espaço que não sei e onde teces
a tua tempestade.

Correr a mão
pelo corpo que tens em tempos quedos,
deixá-la ir pelos agostos fartos
pelas horas de ceifas e de verão.
Deixar que a tua pele me guie os dedos
para chegar aos olhos e fechar-tos.



Pedro Tamen   
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Ricardo- águialivre

Quando os sentidos guiam meu corpo ardente



Quando os sentidos guiam meu corpo ardente
Pelas ruelas que o teu corpo me quer oferecer
Sinto em mim um desejo forte e consequente
Em caminhar em ti, entregando-te o meu ser

Fixo meu olhar numa estrela da noite escura
Sorrio no sentimento do sonho em esplendor
Saboreio teu beijo repleto de mélica doçura
No sossego da fantasia, chamo-te: Meu amor

Sinto a cama vazia de esperança vil solidão
No resplendor do querer em sonho e ilusão
Surge a luz da palavra num desejo carente

Sobre os lençóis molhados do meu embaraço
Descansa a força intemporal do meu cansaço
Quando os sentidos guiam meu corpo ardente


 .
Publicada por Ricardo- águialivre 


               

Obs.    Sinto a cama vazia de esperança vil solidão..............

terça-feira, 5 de abril de 2016

Manuela Barroso

Os olhos nasciam verdes na boca da noite
e tu
esperavas o sol da lua
no sorriso da água em flor
Acordaste os limos bordando rendas líquidas
na transparência da tua presença distante
E o silêncio adormecia nos cerejais da noite
à janela fresca do luar
em sabores planos e plenos de fantasia
Não ouviste o som extenso e estridente das rãs
com tatuagens de estrelas no leito verde do lago
embriagado de salgueiros que dormem a penumbra
nos beijos das rolas.
Ouço-te no compasso das metamorfoses
e nas asas gelatinosas dos caracóis
descendo
o vale
das folhas
em estradas
de goma branca
Semeaste a calma na viagem livre
da luz selvagem
vagueando pelos cabelos lisos dos pinheiros
chorando resinas de saudade
Na boca de pedra donde o gemido da água corria
ficaram as plantas da noite na serenidade espessa da luz
escrita na sombra enquanto a seiva dormia
E
no chão burilado de estrelas
a minha paz se estendia!
 


Manuela Barroso  


segunda-feira, 4 de abril de 2016

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto....

Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


In Farewell, 1996 
 
 
 

sábado, 2 de abril de 2016

Uma poesia de Roque Dalton Garcia


 
COMO TÚ                                                                                      
Roque Dalton Garcia

Yo, como tú,
amo el amor, la vida, el dulce encanto
de las cosas, el paisaje
celeste de los días de enero.

También mi sangre bulle
y río por los ojos
que han conocido el brote de las lágrimas.

Creo que el mundo es bello,
que la poesía es como el pan, de todos.

Y que mis venas no terminan en mí
sino en la sangre unánime
de los que luchan por la vida,
el amor,
las cosas,
el paisaje y el pan,
la poesía de todos.


COMO TU                       

Eu, como você,
amo o amor, a vida, o doce encanto
das coisas, a paisagem
celeste dos dias de janeiro.

Também o meu sangue ferve
e rio com os olhos
que conheceram os gomos de lágrimas.

Creio que o mundo é belo,
que a poesia é como o pão, de todos.

E que minhas veias não terminam em mim
senão no sangue unânime
dos que lutam pela vida,
o amor,
as coisas,
a paisagem e o pão,
a poesia de todos.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Jorge de Sena.

Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousada em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos ...
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.

Jorge de Sena.