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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O baile

 

O baile

por Luís Naves, em 11.12.23

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Os bailes aborrecem-me e compareço nestas ocasiões apenas pela vaga esperança de encontrar ali uma alma gémea ou uma grande fortuna. Acho as imitações das danças humanas um dos nossos traços mais patéticos: jamais algum robô saberá dançar. Por isso, nos bailes elegantes, finjo apreciar a multidão entediada e encosto-me aos convidados que também não dançam e que andam por ali a conversar e a beber um copo (enfim, outra imitação dos humanos, mas esta agrada-me, não pelas bebidas, mas pela conversa de bar ser sempre mais animada).
Desta vez, fiquei algum tempo em torno de um grupo onde estava um banqueiro a falar de política:
"Na minha opinião, os humanos não deviam votar, eles não sabem votar"
"Então, como éramos eleitos?", perguntou um deputado.
"Nós próprios escolhíamos os robôs no poder", respondeu o banqueiro. "Em vez de um homem, um voto, teríamos o sistema de uma inteligência, um voto".
Deslizei para outro grupo, que estava também a criticar os humanos:
"Acho que são demasiados estúpidos para trabalhar", dizia o empresário. "Despedi todos os humanos que tinha lá na minha companhia e poupo imenso nos salários".
"E então o que vão eles fazer?", questionou um dos convidados.
"Podem pastar na segurança social, afinal não são muito mais inteligentes do que as vaquinhas de que se alimentam".
Esta afirmação provocou uma gargalhada, ou a nossa versão da gargalhada, que é uma espécie de riso sincopado, sem a utilização do pulmão, pois não temos pulmões, embora todos os programas imitem maravilhosamente o original humano.
Confesso que não gosto de política e que me enerva este assunto, a ponto de ter aberto uma exceção, convidando uma modelo 324 para dançar. Era uma valsa. Rodopiámos pela sala, mas achei os movimentos demasiado precisos:
"Qual o motivo de estarmos aqui a andar às voltas?", perguntei.
"Lá está você com as suas perguntas incómodas, não estrague a festa", disse ela.
"Qual festa? Estamos aqui a concluir círculos em torno de eixos imaginários. Desconheço o motivo."
"Os humanos divertem-se imenso a fazer isso".
"Pois é, lá estamos nós a imitar pobremente os seres orgânicos, que dançam, suponho eu, num ritual que tem mais a ver com questões da sua reprodução".
"Com sexo, quer você dizer".
"Isso mesmo", respondi, já farto da conversa de circunstância.
"Parece que os humanos têm grande prazer nessa tal reprodução. Ora aí está algo que nós devíamos tentar imitar", disse a modelo 324, com alguma malícia, pareceu-me.

imagem, IA, Bing Image Creator

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