Seguidores

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Jorge de Sena

 Home




  1. Não desesperarei da Humanidade. 
    Por mais que o mundo, o acaso, a Providência, tudo, 
    à minha volta afogue em lágrimas e bombas 
    os sonhos de liberdade e de justiça; 
    por mais que tudo o que a maldade busque 
    para encobrir-se traia o que ainda esperamos; 
    por mais que a estupidez rica de bens e audácia 
    estrangule a lucidez dos que vêem claro; 
    por mais que tudo caia, acabe, se suspenda; 
    por mais que a Humanidade volte ao bando apavorado 
    que os cães servis acossam aos redis avaros; 
    por mais que a noite desça, o frio gele 
    as últimas esperanças, em luar cendrado 
    cujo silêncio nem gritos de criança 
    possam trespassar -
    não desesperarei da Humanidade. Em vão 
    me aturdem, me intimidam, me destroem; 
    em vão se juntam todos imprecando ignaros. Não! 
    Podem fazer o que quiserem. Podem 
    tornar-me anónimo, traidor ou prostituta, 
    que não desesperarei. Com os olhos postos 
    na terra devastada em nome da justiça, 
    vendo os mortos e os assassinos mortos 
    que a liberdade em fúria assassinou, 
    ouvindo o lume negro, o odor sombrio 
    da paz sangrando apodrecida em escárnio, 
    esperarei ainda e sempre. Para além 
    de mim, de tudo. Esperarei tranquilo.

    Jorge de Sena
     



Sem comentários: