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sábado, 1 de julho de 2023

Álvaro de Campos

 

JUL

Estatelo-me ao comprido em toda a vida 
E urro em mim a minha ferocidade de viver... 
Não há gestos de prazer pelo mundo que valham 
A alegria estupenda de quem não tem outro modo de a exprimir 
Que rolar-se pelo chão entre ervas e malmequeres 
E misturar-se com terra até sujar o fato e o cabelo... 
Não há versos que possam dar isto... 
Arranquem um (...) de erva, trinquem-na e perceber-me-ão, 
Perceberão completamente o que eu incompletamente exprimo. 
Tenho a fúria de ser raiz 
A perseguir-me as sensações por dentro como uma seiva... 
Queria ter todos os sentidos, incluindo a inteligência, 
A imaginação e a inibição 
À flor da pele para me poder rolar pela terra rugosa 
Mais de dentro, sentindo mais rugosidade e irregularidades. 
Eu só estaria contente se o meu corpo fosse a minha alma... 
Assim todos os ventos, todos os sóis, e todas as chuvas 
Seriam sentidos por mim do único modo que eu quereria... 
Não podendo acontecer-me isto, desespero, raivo, 
Tenho vontade de poder arrancar à dentada o meu fato 
E depois ter pesadas garras de leão para me despedaçar 
Até o sangue correr, correr, correr, correr... 
Sofro porque tudo isto é absurdo 
Como se me tivesse medo alguém, 
Com o meu sentimento agressivo para o destino, para Deus, 
Que nasce de encararmos com o Inefável 
E medirmos bem, de repente, a nossa fraqueza e pequenez.


Álvaro de Campos





Têm muito valor os que aceitam a invisibilidade.

Those who accept invisibility are very valuable.


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