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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Ana Luísa Amaral

 

O sol que assim se abate sobre mim 
é meu, na implausibilidade 
da palavra, na negação 
da ideia

Condição implacável,
esta de ter um céu,
quase ter Deus,
ver abismos de frente e retornar depois 
aos gestos 
de pôr a mesa, arrumar papéis,
organizar a vida
- contas, subtrações, que é preciso 
como o destino

Sem ajuste do sol,
o meu sonho esta noite foi 
contigo 
E é como se vivesse em diferido:
frases de frente,
sílabas que se impõem, perfiladas 
só eu dormi em haustos 
muito curtos, 
como se respirasse sem conforto,
a chuva num horror de vidro 
claro

E contudo, tenho um céu,
avesso do que sabe redimir,
mas céu
Que mística haverá 
neste colocar de versos, uns sobre os 
outros, peças de jogar, pirâmides
de plástico ou madeira,
os faraós ausentes?

Convoco o sol, que é meu,
mas não aquece 
E sou quase completo nessa 
imperfeição


Ana Luísa Amaral




Um vendedor de gelados, Reino Unido, 1935.


1 comentário:

adry disse...

Intensa como só ela....
Um poema que nos estremece,a mostrar-nos que na arte, a realidade não Ė!

A realidade inventa-se!
Ana Luísa Amaral,uma perda precoce, dolorosa e insubstituível.
Bj e bfs