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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Pablo Neruda





Nocturno...

Esta noite posso escrever os versos mais tristes.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, 
e tiritam, azuis, os astros ao longe."

O vento nocturno rodopia no céu e canta.
Esta noite posso escrever os versos mais tristes. 
Eu amei-a, e por vezes ela amou-me também.

Em noites como esta eu tive-a nos braços. 
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, e por vezes eu a amei também. 
Como podia não amar os seus grandes olhos fixos.

Esta noite posso escrever os versos mais tristes. 
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. 
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa que o meu amor não a pudesse guardar. 
Tantas estrelas no céu, e ela não está comigo.

É tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. 
A minha alma não se conforma com tê-la perdido.

Como para a aproximar o meu olhar procura-a. 
O meu coração procura-a, e ela não está comigo.

A mesma noite que embranquece as mesmas árvores. 
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas amei-a tanto. 
A minha voz buscava o vento para tocar o seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A sua voz, o seu corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é certo, mas talvez a ame
É tão breve o amor, e tão longo o olvido.

Porque em noites como esta a tive nos braços, 
a minha alma não se conforma com tê-la perdido.

Ainda que seja esta a última dor que ela me causa, 
e sejam estes os últimos versos que lhe escrevo.



Pablo Neruda  


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