Não sei de onde vem esta imagem que percorre
os dias e as noites, ou esses instantes em que um rumor
se desprende do fundo do ser. Há restos de uma espuma
de frases, de uma ondulação de sentimentos na concha
das mãos, de um desejo de abismo nos braços trémulos
de uma névoa de madrugada, que atravessam a memória
enquanto o vento salgado do inverno faz entrar no corpo
um frio que rejuvenesce. Respiro o fumo
do passado, e afasto as brasas para ver se ainda
recupero alguns rostos, uma ondulação de cabelos
quando é preciso correr para nos libertarmos
das ondas que crescem com a maré, e submergem
o que resta do navio afundado numa rajada
de acasos.
E a imagem continua a assombrar-me, como se
fosse a vertigem de calor que sacode as searas imóveis
do verão, quando o sol as prende à terra e só um pássaro,
no centro do céu, sugere um outro caminho para
quem se perdeu no labirinto dos campos, vendo o tempo
passar à sua frente com o lento silêncio dos seus
passos de areia. E é quando surge um sonho de água
sem fim, de superfície lisa como o espelho azul
em que o teu rosto se reflecte, e o murmúrio
do amor se confunde com a respiração que emana
do horizonte, que um desenho de ilhas e de falésias
anuncia o porto indicado no mapa do teu corpo,
com a sombra de mármore dos lençóis que
o escondem.
E descubro-te no fundo desta imagem, envolta
no veludo de ausência em que os meus dedos
sentem a tua pele, e tiram de dentro do nada
o calor das palavras com que o amor é esculpido
na pedra do poema.
Nuno Júdice
1 comentário:
Digo-te novamente:
É a essência que busco!
Um coração cheio de gente
E não gente cheia de razão.
Quero a carne o osso, a alma
Quero tudo intensamente.
Quero dessa louca vida calma
Desde o fruto
Até a semente!
beijo..
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