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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Maria do Rosário Pedreira










Ao contrário de ti, não quis dormir nessa noite: os teus beijos ainda estavam todos na minha boca e o desenho das tuas mãos na minha pele. Eu sabia que adormecer
era deixar de sentir, e não queria perder os teus gestos no meu corpo um segundo que fosse. (...)

Maria do Rosário Pedreira

Foto de Antonio Maria.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

J. G. de Araújo Jorge










Chovia... chovia...
Naquela tarde, como chovia!
Me lembro de que a chuva caía
lá fora
sem parar,
e seu surdo rumor até parecia
um sussurro de quem chora
ou uma cantiga de embalar...
Me lembro que tu chegaste
inquieta, ansiosa,
mas logo te aconchegaste
em meus braços, quietinha...
(...enrodilhada como uma gatinha...)
E eu quase não sabia o que fazer:
se de encontro ao meu peito te deixava adormecer...
se te mantinha acordada, para seres minha...
Me lembro que chovia... chovia sem parar...
E que a chuva caía a turvar as vidraças
anoitecendo o quarto em seus tons baços...
Me lembro de que te sentia
aconchegada em meus braços...
Me lembro que chovia...
E de que era bom porque chovia,
e porque estavas ali, e porque eu te queria...
Sim, me lembro que tudo era bom...
E que a chuva caía, caía,
monótona, sem parar,
naquele mesmo tom...
Naquela tarde, amor, como chovia!
Agora, quando longe de ti, nem sou mais eu
em minha melancolia,
não posso mais ouvir a chuva cair
que não fique a lembrar tudo o que aconteceu
naquele dia...
Naquele dia...
enquanto chovia...


J. G. de Araújo Jorge

Foto de Antonio Maria.


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Nuno Júdice









Sonhei contigo

Sonhei contigo
embora nenhum sonho possa ter habitantes
tu, a quem chamo amor,
cada ano pudesse trazer um pouco mais de convicção
a esta palavra.

É verdade
o sonho poderá ter feito com que,
nesta rarefacção de ambos,
a tua presença se impusesse
como se cada gesto do poema te restituisse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus lábios
com o rebordo desta chávena de café já frio…

Então, bebo-o de um trago.
o mesmo se pode fazer ao amor,
quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço
-terra, água, nuvens, rios e o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência das fontes.

É isto, porém, que faz com que a solidão
não seja mais do que um lugar comum
saber que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me responda
quando, uma vez mais te chamo.

Nuno Júdice

Foto de Antonio Maria.

domingo, 26 de novembro de 2017

Pablo Neruda



















Brincas todos os dias com a luz do Universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
Como um cacho entre as mãos todos os dias.

Desde que eu te amo não te pareces com ninguém. 
Deixa-me deitar-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo nas estrelas do sul?
Ah, deixa-me recordar-te como eras então, quando não existias ainda.

De repente o vento uiva e golpeia a minha janela fechada.
O céu é uma rede repleta de peixes sombrios.
Aqui vêm dar todos os ventos, todos.
A chuva despe-se.

Passam em fuga os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
A tempestade amontoa folhas escuras
e solta todas as barcas que a noite passada amarrou ao céu.

Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-ás até ao último grito.
Encolhe-te a meu lado como se tivesses medo.
Mas por vezes uma sombra estranha corria pelos teus olhos.

Agora, também agora, pequena, me trazes madressilvas
e até os seios tens perfumados.
Enquanto o triste vento galopa matando borboletas
eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.

Quanto te terá doído habituares-te a mim,
à minha alma bravia e solitária, ao meu nome que todos afugentam.
Vimos tantas vezes Vénus arder, enquanto nos beijávamos nos olhos
e sobre as nossas cabeças se destorciam os crepúsculos em leques giratórios.

As minhas palavras choveram sobre ti numa carícia.
Amei desde cedo o teu corpo de nácar ao sol.
Creio-te mesmo dona do Universo.
Trar-te-ei das montanhas flores alegres, "copihues",
avelãs escuras, e cestas silvestres de beijos.
Quero fazer contigo
O que a primavera faz com as cerejeiras.



Pablo Neruda

Nuno Júdice







tempo(s)...
Do outro lado da casa, as crianças brincam com o tempo
que corre para que elas não brinquem com ele. Na casa
ao lado, um cão vê o tempo a passar e ladra-lhe 
para ele fugir como se fosse um ladrão. Na rua, o mendigo
pede a toda a gente a esmola de um tempo, e toda
a gente diz que não tem tempo para lhe dar. No café, peço
uma chávena de tempo, curto e bem forte
porque não tenho tempo para dormir, mas
ao meu lado há quem peça uma chávena bem cheia
de tempo para que o tempo demore a beber. Há
quem corra por falta de tempo, e o tempo vai
atrás dele para o apanhar. No metro, a rapariga
atravessa o cais, devagar, como se tivesse mais tempo
do que todos os que contam o tempo para
não lhes descontarem no tempo. E quando me perguntam
se tenho tempo, olho para o relógio, como se ele
estivesse cheio de tempo, e peço que tirem de dentro
dele todo o tempo, e que o esvaziem até ao último segundo,
para eu ficar com tempo para
ver quanto tempo já passou.
Nuno Júdice

Foto de Antonio Maria.

sábado, 25 de novembro de 2017

Joaquim Pessoa










Abraça-me
...
Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'


Foto de Antonio Maria.

Julia Prilutzky













UMA POETISA ARGENTINA

Dame tu brazo, amor, y caminemos,
Dame tu brazo, amor, y caminemos,
dame tu mano y sírveme de guía.
Ya no quiero saber si es noche o día:
mis ojos estánciegos.Avancemos.
Dame tu estar, amor, en los extremos,
tu presencia y tu infiel sabiduría:
por los caminos de la sangre mía
ya no sé si es que vamos o volvemos.
Y no me digas nada. No es preciso.
Deja que vuelva al pórtico indeciso desde donde no escucho ni presencio:
Todo fue dicho ya, tan a menudo,
que ahora tengo miedo, amor, y dudo
de aquello que está al borde del silencio.

Julia Prilutzky


Dá-me teu braço, amor, e caminhemos
Dá-me teu braço, amor, e caminhemos,
Dá-me tua mão e serve-me de guia
Já não quero saber se é noite ou dia:
Meus olhos são cegos. Avancemos.

Da-me teu ser, amor, com teus extremos,
Tua presença e tua infiel sabedoria:
Pelas modos que meu sangue se esvaía
Já não sei se vamos ou se voltamos.

E não me digas nada. Não é preciso.
Deixa que eu volte ao portão indeciso
De onde não te escuto nem te presencio:

Tudo foi dito já, assim tão repetido,
Que agora tenho medo, amor, e duvido
Daquilo que está à beira do silêncio.

Foto de Antonio Maria.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

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POESIA

História de um amor
Encheram-se de amor sem olhar para nada mais que o desejo
e se envolveram nos laços de beijos e abraços
como se a vida fosse uma eterna e profunda taça de prazeres.
Ficaram neles os cheiros do amor, o suor dos que sabem gozar
das delícias das horas de amar
e o crescente desejo de mais
que, num certo momento, não dá paz.
E perdidos, como barcos sem rumo,
no mar limitado dos dias
pagaram seus preços em agonias,
em tempos que passaram sem jamais voltarem a ter
a glória e a doçura de quem soube o que é o amor.
E, como todas as histórias reais,
tanta beleza não tiveram mais
até o fim de seus dias.

Desconheço o autor/a


Foto de Antonio Maria.

Fernando Assis Pacheco






(do) amor...

Não sei
se o que chamam amor é este apaziguamento.
Não sei se comias fogo. Tuas abelhas 
voam agora em círculos tranquilos.
Mães serenam seus filhos no ventre,
não sei se o que enfim chamam
amor é esta areia fina.
Agora estamos um dentro do outro,
fazemos longas visitas deslumbradas
porque "o nosso prazer lembra um rio vagaroso
no meio de juncos ao cair da tarde."
As palavras tornam-se esquivas. Com o silêncio
falaríamos melhor de tudo isto.
Não sei se o que chamam amor
é a cama desfeita o sol fugindo,
uma vontade louca de beber
a grandes goles a noite entorpecente.
Com o silêncio, o silêncio sem nome:
morrermos a meio do filme
simples, calada, dedicadamente.
Eras tu, amor? - Era eu, era eu!
Um barco junto à margem. E cegonhas.

Fernando Assis Pacheco

Foto de Antonio Maria.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Pablo Neruda










Nocturno...


Esta noite posso escrever os versos mais tristes.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros ao longe."
O vento nocturno rodopia no céu e canta.
Esta noite posso escrever os versos mais tristes.
Eu amei-a, e por vezes ela amou-me também.
Em noites como esta eu tive-a nos braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, e por vezes eu a amei também.
Como podia não amar os seus grandes olhos fixos.
Esta noite posso escrever os versos mais tristes.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Que importa que o meu amor não a pudesse guardar.
Tantas estrelas no céu, e ela não está comigo.
É tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se conforma com tê-la perdido.
Como para a aproximar o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, e ela não está comigo.
A mesma noite que embranquece as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas amei-a tanto.
A minha voz buscava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A sua voz, o seu corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é certo, mas talvez a ame
É tão breve o amor, e tão longo o olvido.
Porque em noites como esta a tive nos braços,
a minha alma não se conforma com tê-la perdido.
Ainda que seja esta a última dor que ela me causa,
e sejam estes os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda  


David Mourão Ferreira








Labirinto ou não foi nada
Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão Ferreira  
Foto de Antonio Maria.


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Nuno Júdice






















































O sol cai sobre os pássaros que se erguem,
e pousam, e voltam a bater as asas para que
o sol os não deixe cair; e o vento leva-os
ao longo das dunas, como sementes prontas
para serem plantadas numa terra de nuvens.

E o sol não encontra a terra do teu corpo
para nele plantar o seu fogo azul; nem
os pássaros pousam nos teus braços que
se estenderiam em busca de nuvens mais
próximas, à espera das tuas mãos.

E sinto o vento mudar de direcção,
de norte para sul, indicando o rumo
que os teus olhos procuram, seguindo
o voo desses pássaros que abandonam
a terra fria, e a deixam entregue ao silêncio.

Mas fico junto a ti, nesta hora de frases
incertas, ouvindo a pergunta que os teus lábios
soltam, numa floração luminosa, sem
esperar resposta, ouvindo apenas o rumor
de maré no eco das tuas palavras.


Nuno Júdice

Angel González








La Vida é um juego



Donde pongo la vida pongo el fuego 
de mi pasión volcada y sin salida.
Donde tengo el amor, toco la herida.
Donde pongo la fe, me pongo en juego.
Pongo en juego mi vida, y pierdo, y luego
vuelvo a empezar, sin vida, otra partida.
Perdida la de ayer, la de hoy perdida,
no me doy por vencido, y sigo, y juego
lo que me queda: un resto de esperanza.
Al siempre va. Mantengo mi postura.
Si sale nunca, la esperanza es muerte.
Si sale amor, la primavera avanza.
A vida em jogo
Onde ponho a vida, ponho o fogo
de minha paixão focada e sem saída.
Onde ponho o amor, toco a ferida.
Onde ponho a fé, me ponho em jogo.
Ponho em jogo minha vida, e perco, e logo
começo outra vez, sem vida, outra partida.
Perdida a de ontem, a de hoje perdida,
não me dou por vencido, e sigo, e jogo
o que me sobra: um resto de esperança.
E sempre vou em frente. Mantenho minha postura.
Sem sair nunca. A esperança é a morte.
Se sai o amor, a primavera avança.

Foto de Antonio Maria.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Isabel de Carvalho Sousa










O Teu Nome
Vi-te como espanto e prazer. 
Iluminei-me. 
Corri as cortinas do tempo
matei o passado. 
Abri portas 
derrubei barreiras 
vesti todas as fronteiras
e dancei com o teu nome na alma.


Isabel de Carvalho Sousa

Foto de Isabel De Carvalho Sousa.

Nuno Júdice
























Não sei de onde vem esta imagem que percorre
os dias e as noites, ou esses instantes em que um rumor
se desprende do fundo do ser. Há restos de uma espuma
de frases, de uma ondulação de sentimentos na concha
das mãos, de um desejo de abismo nos braços trémulos
de uma névoa de madrugada, que atravessam a memória
enquanto o vento salgado do inverno faz entrar no corpo
um frio que rejuvenesce. Respiro o fumo
do passado, e afasto as brasas para ver se ainda
recupero alguns rostos, uma ondulação de cabelos
quando é preciso correr para nos libertarmos
das ondas que crescem com a maré, e submergem
o que resta do navio afundado numa rajada
de acasos.

E a imagem continua a assombrar-me, como se
fosse a vertigem de calor que sacode as searas imóveis
do verão, quando o sol as prende à terra e só um pássaro,
no centro do céu, sugere um outro caminho para
quem se perdeu no labirinto dos campos, vendo o tempo
passar à sua frente com o lento silêncio dos seus
passos de areia. E é quando surge um sonho de água
sem fim, de superfície lisa como o espelho azul
em que o teu rosto se reflecte, e o murmúrio
do amor se confunde com a respiração que emana
do horizonte, que um desenho de ilhas e de falésias
anuncia o porto indicado no mapa do teu corpo,
com a sombra de mármore dos lençóis que
o escondem.

E descubro-te no fundo desta imagem, envolta
no veludo de ausência em que os meus dedos
sentem a tua pele, e tiram de dentro do nada
o calor das palavras com que o amor é esculpido
na pedra do poema.


Nuno Júdice

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Eugénio de Andrade

































Este rosto rente à terra
esta poeira
fresca ainda do rebanho,

este tumulto de palavras
cálido
para escrever na pele,

esta língua de argila
porosa
e cativa,

são sinais de outro verão.

Ternamente incestuoso vai chegar
o inverno
vai chegar cego pela mão do vento
vai chegar
aos tropeções
o sangue dos espelhos.

O sol
não tardará a ser água.

Entre o feno fremente e a fonte furtiva
no alto fim de setembro

procura

o lugar
onde um corpo entre noutro corpo

repousa no ardor
adormece no rumor
na coroa de fogo das colinas.

O verão é branco e liso
e sempre ficam sinais.



Eugénio de Andrade

José Gomes Ferreira










Ouve, tu que não existes em nenhum céu:
Estou farto de escavar nos olhos
abismos de ternura
onde cabem todos menos eu.
Estou farto de palavras de perdão
que me ferem a boca
dum frio de lágrimas quentes de punhal.
Estou farto desta dor inútil
de chorar por mim nos outros.
- Eu que nem sequer tenho a coragem de escrever
os versos que me fazem doer.



José Gomes Ferreira


Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.

sábado, 18 de novembro de 2017

Antonio Ramos Rosa






























Da grande página aberta do teu corpo

sai um sol verde
um olhar nu no silêncio de metal
uma nódoa no teu peito de água clara

Pela janela vejo a pequenina mão

de um insecto escuro
percorrer a madeira do momento intacto
meus braços agitam-te como uma bandeira em brasa
ó favos de sol

Da grande página aberta

sai a água de um chão vermelho e doce
saem os lábios de laranja beijo a beijo
o grande sismo do silêncio
em que soberba cais vencida flor


António Ramos Rosa

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Pablo Neruda





É Proibido

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.


Pablo Neruda  
Foto de Fatima Pereira.


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Nuno Júdice









abandono...

Na cama, onde o teu corpo, de costas, se abandona
aos meus olhos, e os cabelos se espalham pela almofada
és a mais bela das mulheres nuas. Os pés, sobre
os lençóis que o amor amarrotou, cruzam-se,
num breve descanso; e o rosto, de olhos
fechados, esconde o desejo que a tua brancura
me oferece, contra a parede que inscreve
o único limite do nosso amor. O braço direito
caído para o chão, agarra um vazio que encho
de palavras; e o braço esquerdo, sob os seios,
indica-me o caminho em que cada repetição
é uma descoberta. Se te voltares, abrindo os braços,
e mostrando o peito, saberei o rumo seguir,
nesta viagem em que és a proa e o vento; mas
se ficares assim, secreto retrato no atelier
do coração, apenas te peço que entreabras
os lábios, para que um murmúrio nasça
de dentro da tela. Então, cobrir-te-ei as pernas
com o lençol, espalhar-te-ei pela almofada
os cabelos, escondendo a nuca e o ombro; e
deixarei que este poema se derrame sobre ti,
ateando este fogo com que a tua nudez
me incendeia.


Nuno Júdice