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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Eugenio de Andrade

adormecer 

    





















Cansado de ser homem durante o dia inteiro 
chego à noite com os olhos rasos de água. 
Posso então deitar-me ao pé do teu retrato, 
entrar dentro de ti como num bosque. 

É a hora de fazer milagres: 
posso ressuscitar os mortos e trazê-los 
a este quarto branco e despovoado, 
onde entro sempre pela primeira vez, 
para falarmos das grandes searas de trigo 
afogadas na luz do amanhecer. 

Posso prometer uma viagem ao paraíso 
a quem se estender ao pé de mim, 
ou deixar uma lágrima nos meus olhos 
ser toda a nostalgia das areias.

É a hora de adormecer na tua boca,
como um marinheiro num barco naufragado,
o vento na margem das espigas.


Eugénio de Andrade

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