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sexta-feira, 16 de junho de 2023

Rainer Maria Rilke

 

E uma tília é a minha árvore escolhida;
e todos os verões, que nela calam, 
agitam-se de novo nos mil ramos
e despertam de novo entre o Dia e o Sonho.

Floresta desperta, em meio de inverno doridos
ousaste pressentir a primavera,
e deixas coar de leve a tua prata
para eu ver como a tua saudade reverdece.

E ao sabor dos caminhos que através de ti me levam
não reconheço nem donde nem para onde,
e apenas sei; havia portas ante os teus mistérios fundos -
e já não as há.

A vida, não tentes compreendê-la, 
e então ela será como uma festa. 
E que cada dia te aconteça 
como a uma criança que, ao caminhar, 
de cada sopro de vento 
vai recebendo presentes de flores. 

Apanhá-las e guardá-las, 
nem nisso pensa a criança. 
Tira-as devagar do cabelo 
onde se sentiam tão bem, 
e estende as mãos aos jovens anos 
para receber novas flores. 

Quem me dera ser como os que em si são secretos:
Não mostrar na fronte os pensados pensamentos,
oferecer só uma saudade em minhas rimas,
dar com os meus olhares só um germinar breve, 
dar com o meu silêncio só um arrepio.

Não trair mais, entrincheirar-me  todo
e ficar solitário; que assim fazem os completos:
só quando a multidão ruidosa se ajoelha
como derrubada por luminosas lanças,
só então tiram eles os corações do peito
como custódias, e abençoam-na com eles. 

Só de escutar e pasmar fica parada,
minha vida fundo funda;
para saberes o que te quer o,
inda antes que os vidoeiros se movam.

E quando o silêncio te tinha falado,
deixa vencer teus sentidos.
Dá-te a cada sopro, cede,
que ele há de amar-te e embalar-te.

E então, minha alma, sê ampla, ampla,
para ganhares a vida;
desdobra-te como um vestido de festa
sobre as coisas que meditam.

Sonhos que cachoam no teu fundo, 
liberta-os da escuridão. 
São como fontes, e caem 
mais claros em pausas de canções 
de novo no regaço das taças.

E agora sei: sê como as crianças. 
Toda a angústia é só começo; 
mas a terra não tem fim, 
e o medo é só o gesto, 
e saudade o seu sentido. 


Rainer Maria Rilke










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