8 de junho
por vezes tenho a sensação inesperada de renascer enquanto durmo. acordo
em sobressalto e escrevo, luto contra a insónia. ponho-me a olhar para os objetos
que partilham comigo o quarto e o silêncio imemorial da noite. esqueci o
que sabia sobre eles, ainda há pouco surgiam na memória com outros nomes,
outras funções, espalhavam-se desordenadamente no fundo sombrio do sonho.
acordo, e quando acordo descubro neles utilizações muito antigas. atardo-me
a reaprender as suas histórias, as suas formas, donde vieram e como morrem.
olhos-os, e não se assemelham em nada àqueles que estavam no lugar do
sonho que acabei de deixar.
com frequência avisto no espelho um feixe luminoso. há uma espécie de
poalha bolorenta por cima da água onde um rosto volátil se afunda. cristais
flutuantes vão contra a superfície do espelho, atravessam-na, desaparecem na
luz onde me recolho um instante.
outras vezes, permaneço na obscuridade, no medo de me mover daqui.
nenhuma luz vem de lado nenhum. obsessiva treva...
abrem-se janelas pelo corpo. debruço-me para o vastíssimo deserto interior,
toco infindáveis areias da paixão. a noite permanece perto de mim, agarra-se
às raízes dos cardos, rouba-me a coragem que preciso para nomear novamente
o mundo.
estou febril. a geada cobriu o jardim, cintila sobre a erva como poalha de
vidro, parece arder. apago a luz, fecho os olhos e não durmo.
Al Berto
1 comentário:
O AL de Alberto, um universo poético carregado de lirismo e melancolia, um Poeta marcado pelas vivências experimentadas, onde nada ficou de fora nem tão pouco a solidão !!!...
Beijo Conde
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