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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Nuno Júdice

 

Foto: Erwin Blumenfeld














O amor é esse gato abstracto que emerge
de um rumor de lençóis para se converter na esfinge
do teu corpo, quando te voltas e me entregas
a península do teu dorso. Escondes-me o horizonte
com os cabelos para que sejas o único
horizonte, e eu o posso tocar com as mãos, moldá-lo
à medida de uma navegação de corpos, como barcos
num sulco de lençóis. Nesta viagem, sigo a linha
curva das tuas ancas, deixando-me guiar pelos
teus olhos que abres, quando a tua boca se liberta
de uma espuma de murmúrios e colho dos teus
seios os bagos do desejo. Às vezes, é no teu rosto
que um gesto abstracto substitui o movimento
exacto de um escultor de emoções; de outras vezes
demoro-me a olhá-lo e perco-me na expectativa
de uma voz que encha de luz o coração
das sombras. Quero ver-te assim, nua neste
véu de palavras com que te envolvo, e
dar-te, à transparência de mármore da ausência,
a pulsação que me conduz a ti, como o vento
que empurra a ave, ou o silêncio que
se converte em canto.


Nuno Júdice

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