TRAVESSIAS
CHOVE ...
num mundo verde que apodrece
e o céu cinzento e pesado
não se comove
com urgências adiadas
por eminências esquivas
no silêncio de vozes quebradas,
cativas numa atmosfera de surdos.
De arrogâncias e beligerâncias,
grotescas liturgias de absurdos,
cobardias e calvário de errâncias.
Chove
no teatro de danos e desenganos
sujos estandartes de direitos humanos,
de terra movediça alagada até aos ossos,
atoleiro de fronteiras e de fossos
a obstruir a última travessia.
Chove
e embacia-se a vida por dentro
numa espera interminável.
O extenso mar alarga-se
e a terra encolhida inavegável
veste o vazio de fantasmas que dançam
no olhar dos velhos e das crianças.
Apagadas estrelas não despejam mel
e não existem faróis na noite.
Nem luar, nem escopo, nem cinzel
para traçar o futuro.
Nem divina providência
a evitar a conivência
dos homens sem memória.
Chove
na Europa sombria, isenta de si.
Em várias faces revelada,
recortada num corpo dividido
como arquipélago à deriva.
Na fogueira distante crepita
algo que o meu pensamento grita
no trovão distante
sobre as árvores nuas
que oferecem o corpo à ventania.
Um raio flamejante
tão longe brilha
no inferno que se trilha.
Laura Santos
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