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domingo, 14 de junho de 2020

Laura Santos






        POESIA
ESCARPAS

O meu território é rodeado de sebes invisíveis
que o vento não consegue derrubar.
Sou pária de um mundo de gestos previsíveis
onde não encontro derradeiro lugar.
Deixei de sonhar e nem me pretendo em realidade.
O frio pousa cada vez mais lentamente
secando a pele e enrouquecendo a voz
quando me deslizo no inicial vestígio da noite
e já adormeceste em mim um sono calmo
no corpo que emprestei à ideia de ti.
É comovente o teu respirar dentro do meu peito
enquanto pressinto o rumor da terra seca
e o duro silêncio morrente que povoa a cidade.
Se ao menos um bicho me invadisse a casa...
Se ao menos uma asa me levasse à nascente
fugidia que murmura o canto da água
e me emprestasse por momentos a frescura
e o sabor fremente do idioma dos dias...
Que o sol me invadisse de mansinho o colchão
me incendiasse de cor o peito e o ventre
quando a chuva consagra o bosque que
num dia triste pensei ter erigido ao teu redor.
E pudesse eu subir às alvas palavras penduradas
na antiga eloquência da imaginada ternura!
Confundo-me no granito das escarpas pedregosas
onde o chão escondeu os teus passos para sempre
e as flores bravias teimam em desabrochar.
Trago um lume nos dedos que me consome
lentamente o desejo de tocar-te
se a aurora descobre no luar a cor do barro
numa diáspora de inocente primeira vez
e os meus olhos iluminam nos escombros da manhã
a sombra longínqua da tua imensa pequenez.


LAURA SANTOS
Inna Tsukakhina/ Pintura

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