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domingo, 29 de julho de 2018

Nuno Júdice






Photo: Duane Michals
























Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.



Nuno Júdice

sábado, 28 de julho de 2018

Nuno Júdice




































Como as rosas selvagens, que nascem
em qualquer canto, o amor também pode nascer
de onde menos esperamos. O seu campo
é infinito: alma e corpo. E, para além deles,
o mundo das sensações, onde se entra sem
bater à porta, como se esta porta estivesse sempre
aberta para quem quiser entrar.

Tu, que me ensinas o que é o
amor, colheste essas rosas selvagens: a sua
púrpura brilha no teu rosto. O seu perfume
corre-te pelo peito, derrama-se no estuário
do ventre, sobe até aos cabelos que se soltam
por entre a brisa dos murmúrios. Roubo aos teus
lábios as suas pétalas. 

E se essas rosas não murcham, com
o tempo, é porque o amor as alimenta.



Nuno Júdice
Photo: Man Ray

sexta-feira, 27 de julho de 2018

William Wordsworth




























Surpreso pela alegria - impaciente como o vento
, virei-me para compartilhar o transporte - Oh! com quem, 
mas tu, profundamente enterrado na silenciosa tumba,
aquele lugar que nenhuma vicissitude pode encontrar?
Amor, amor fiel, lembrou-te a minha mente -
Mas como eu poderia te esquecer? Através de que poder, 
Mesmo para a menor divisão de uma hora,
Eu tenho sido tão enganado a ponto de ser cego
Para minha perda mais grave? - Esse retorno do pensamento 
Foi a pior dor que a tristeza já suportou,
Salve um, um só, quando fiquei desamparado,
Sabendo que o melhor tesouro do meu coração não era mais;
Que nem tempo presente, nem anos não nascidos
Puderam à minha vista aquele rosto celestial restaurar.

Foto: RAM [Túmulo de D. Pedro I / Mosteiro de Alcobaça ( Alcobaça )]

 William Wordsworth

quarta-feira, 25 de julho de 2018

(Eugénio de Andrade)



Eugénio de Andrade)





Não canto porque sonho
Não canto porque sonho. 

Canto porque és real. 

Canto o teu olhar maduro, 

o teu sorriso puro, 

a tua graça animal.



Canto porque sou homem. 

Se não cantasse seria 

o mesmo bicho sadio 

embriagado na alegria 

da tua vinha sem vinho. 



Canto porque o amor apetece. 

Porque o feno amadurece 

nos teus braços deslumbrados. 

Porque o meu corpo estremece 

por vê-los nus e suados.

(Eugénio de Andrade)   



A mais bela versão de uma das mais perfeitas músicas. Fausto e Zeca, que mais se pode dizer? Magistral. Do álbum "P'ro que der e vier", letra de Eugénio de Andrade e música de António Pedro Braga e Fausto Bordalo Dias.

António Reis






Mudámos esta noite

E como tu
eu penso no fogão a lenha
e nos colchões

onde levar as plantas

e como disfarçar os móveis velhos

Mudamos esta noite
e não sabíamos que os mortos
ainda aqui viviam

e que os filhos dormem sempre
nos quartos onde nascem

Vai descendo tu

Eu só quero ouvir os meus passos
nas salas vazias


António Reis

segunda-feira, 23 de julho de 2018






Uma poesia de Vicente Quirarte


AMANTES                              

Y qué solos se quedan, los amantes:
Cómo se estrujan, muerden, lamen, frotan,
cómo sienten morirse sin el otro,
cómo llevan al otro al moridero.
Cómo siguen su rito sin relojes,
cómo sudan y huelen y combaten.
Afuera sale el sol, se afeita el día,
y los amantes siguen, siempre solos.
Siempre uno en el otro, caderamen
de un animal bisiesto de ocho miembros.
Y qué solo el amor del pelandrujo
que en la calle se acopla a su pareja.
Nada turba su ardor, ni el escobazo
que interrumpe el chillido de los gatos.
Y qué largo combate, mi enemiga,
el trabado en el lecho. Cuánta fuerza
para vencer al mal que los devora.
Afuera la ciudad,
sus plazas ya soleadas, sus corbatas.
Ellos en la noche de sus cuerpos,
solos con esa sed, con ese ansia.

                            
Vicente Quirarte

AMANTES

E só o que resta, os amantes:
Como se espremem, mordem, lambem, se esfregam,
como sentem-se morrer sem o outro,
como levam o outro ao morredouro.
Como seguem seu rito sem relógios,
como suam, cheiram e lutam.
Lá fora o sol sai, se enfeita o dia,
e os amantes seguem, sempre sós.
Sempre um no outro, quadril
de um animal bissexo de oito membros.
E que só o amor da rameira
que na rua é acoplado ao seu parceiro.
Nada perturba seu ardor, nem o flagelo
que interrompe o guinchar dos gatos.
E que luta longa, minha inimiga,
O trabalho na cama. Quanta força
para vencer ao mal que os devora.
Fora da cidade,
suas praças já ensolarados, seus laços.
Eles na noite de seus corpos,
sozinhos com essa sede, com essa ânsia.

                            
Vicente Quirarte

Ilustração: Spirit Fanfics e Histórias.

domingo, 22 de julho de 2018

Raquel Lacerda





Tens flores dentro da pele
daquelas que se transformam em pétalas
no teu cabelo feito de vento
num dia quente.
Tens asas dentro dos olhos
com eles vês por detrás do céu
aquele onde te deitas
quando precisas de repousar.
Tens mãos feitas de terra
terra pura que contigo levas
e que deitas inocentemente
no canteiro dos corações.
Tens letras desenhadas nos pulsos
poemas que escreveste com os lábios
de todas as vezes que amaste
sem amar, amando sempre.
Tens a cor verde a pulsar nos ombros
onde carregas, porque és fortaleza feita de areia,
a vida toda que tens para te dar.


Raquel Lacerda   
Foto de Antonio Maria.


Hamilton Ramos Afonso








Balanço


Escuto-te ,
apesar da distância ,
porque te olho
com o olhar do meu coração
e vejo-te ,
porque te ouço
e escuto com a Alma...
E assim contrabalanço a ausência física,
pelo preenchimento espiritual...


Hamilton Ramos Afonso
Arte: Giuseppe Cacciapuoti    


Foto de Antonio Maria.

sábado, 21 de julho de 2018

A Noite na Ilha Pablo Neruda





A Noite na Ilha
Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

Pablo Neruda    


Foto de Fatima Pereira.

Diná Fernandes






Punição

Quisera tê-la, embora apenas
dentro das minhas retinas,
mesmo fora do alcance das minhas mãos.

Seu andejar faceiro e provocante
faz-me delirar e sofrer em surdina.
Ver-te, alegra meu coração suplicante

Dá-me, por favor, uma chance,
não sejas assim tão arrogante!
Vem, vamos viver um romance...

Tenho tanto amor para te dar!
Preciso de um consolo, lenitivo
que venha tal rejeição atenuar.

Se meu destino é desejar-te
e meus olhos em teu corpo morar,
e meus lábios sequiosos a querer-te,

Morrerei amargando a desventura
do subtil e marcante castigo.
Punição que me causa amargura...!

Diná Fernandes   


sexta-feira, 20 de julho de 2018

Hamilton Ramos Afonso






Hospedagem


Sabemos que o orgão fisico coração
tem tamanho limitado,
mais ou menos proporcional
à estatura de quem o abriga…

Há outro tamanho
que o liga inexoravelmente aos sentimentos,
ao afecto e esse aí pode ser bem pequeno
ou ilimitado…

Se nele mal cabe o amor por ti proprio,
a tua auto estima ,
o tamanho dele é bem pequeno
e podes pensar em o aumentar
para que além do teu amor por ti,
caiba nele o amor que alguém tem por ti…

Só depois de o encheres de ti
o podes abrir para ele aceitar hospedagem….



Hamilton Ramos Afonso

Arte: John Michael Carter


quinta-feira, 19 de julho de 2018

João Morgado





Só gostamos de uma mulher quando gostamos do seu cheiro. Quando tudo nos leva a bebe-la, como um chá quente, excitante, aromático. Se não gostarmos do seu cheiro não conseguimos ama-la, nem na pele nem na alma. 
Podemos ser amigos, companheiros, nunca amantes. Amar é beber um cheiro. É transporta-lo para dentro de nós.

João Morgado  


Foto de Antonio Maria.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Publicada por Ricardo- águialivre






Amor do meu coração ao infinito

Quero que o meu amor seja uma estrela cintilante
Que ilumine o teu coração de um desejo profundo
Que deste amor não queiras nunca estar distante
Pois quando se ama não há lonjura neste mundo
.
Quero que sintas o meu carinho, em cada instante
Que caminhes pelas ruas, com um sorriso aberto
Que entre em teu coração este amor penetrante
Que vagueia pelo sonho por um caminho incerto
.
Quero que sorrias perante o obscuro da incerteza
Em que o teu olhar sorria num abraço de firmeza
Sabendo que o meu carinho é tão robusto e bonito
.
Que não haverão montes, nem mares, nem ondas
Nem campos, nem áridos vales, onde te escondas
Pois o amor será teu, do meu coração ao infinito

Publicada por Ricardo- águialivre  

terça-feira, 17 de julho de 2018






A Demora - Mia Couto

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

in " idades cidades divindades"

António Emílio Leite Couto, que usa o pseudónimo literário de Mia Couto, nasceu na Beira, em Moçambique, em 5 de julho de 1955   

Foto de Toni Bernhard, author.

domingo, 15 de julho de 2018

José Carlos Ary dos Santos





Canção de madrugar


De linho te vesti
de nardos te enfeitei
amor que nunca vi
mas sei.

Sei dos teus olhos acesos na noite
- sinais de bem despertar -
sei dos teus braços abertos a todos
que morrem devagar.

Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo pode acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

Irei beber em ti
o vinho que pisei
o fel do que sofri
e dei.

Dei do meu corpo um chicote de força.
Rasei meus olhos com água.
Dei do meu sangue uma espada de raiva
e uma lança de mágoa.

Dei do meu sonho uma corda de insónias
cravei meus braços com setas
descobri rosas alarguei cidades
e construí poetas.

E nunca te encontrei
na estrada do que fiz
amor que nunca logrei
mas quis.

Sei meu amor inventado que um dia
teu corpo há-de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

Então:
nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos
nem guerras

José Carlos Ary dos Santos   

Foto de Antonio Maria.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Maria Helena Guimarães /// Quando tu vieste







Quando tu vieste 
a primavera tinha passado já...
e a calma do verão preenchia
o diário da minha existência.

Mas de repente foi Março.
Março de jasmim e glicínias
enlaçando nossos corpos.

Foi Abril de rosas.
Botões a florir no regaço,
a desabrochar corolas perfumadas.

E foi Maio agreste.
Maio de lágrimas e granizo,
perfume agreste de giestas floridas.

Foi Março, foi Abril e foi Maio,
de lágrimas , de dor ,
de prazer , de comunhão , de amor.

Quando tu vieste...
Foi outra vez Primavera !

Braga 1997
Do livro " Manhãs de Setembro " // 1998   

Foto de Antonio Maria.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Ruy Cinatti







(dos) caminhos...

Tudo se acaba. É mentira.
Há parcelas que se juntam,
se adicionam,
como a ideia e o sentimento,
o tempo
perdido
e o momento de acção
iluminado.

Ninguém se convença
que acaba.
Há o céu que nos espera,
a sua ilusão
remordida até ao paroxismo.
Ou há passado
sem destino.

A dolorosa mensagem
da nossa vida
é estar: caminhar sempre;
atar as vides da vinha
vindimada.

Saber esperar.
Andar, andar,
nem que seja de rastos.

Ruy Cinatti   

Foto de Antonio Maria.