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sábado, 20 de janeiro de 2024

O ENCONTRO......

 







O encontro anual


Abro a porta da minha casa aos amigos

aos amigos longínquos

terei na mesa a velha toalha de linho

que foi da minha mãe 

toda branca com um coração bordado

em cada canto

terei um bolo grande com frutas cristalizadas

e açúcar em pó 

terei chá da proveniência mais exótica 

que encontrar talvez Teekanne

que contém flor de lótus


falamos do nosso passado

das histórias comuns

com mais pormenores metidos a propósito 

para terem mais cor

falamos alto e todos ao mesmo tempo

para nos sentirmos acompanhados

afinal pertencemos à vida uns dos outros

mas quanto mais velhos somos

mais triste é a amizade


cantamos algumas daquelas canções 

revolucionárias de quando pensávamos 

que o socialismo estava já ali

acreditamos todos que a poesia 

é que nos salva porque todos somos poetas

ainda que só uns escrevam 

e outros ouçam 


falamos das nossas mães 

e menos dos nossos pais

talvez saudades do colo

falamos das nossas mulheres

com respeito mas com mágoa 

e rimos alto das nossas canalhices

contamos uns aos outros 

os pequenos desgostos quotidianos

descobrindo que são quase os mesmos 

para todos

     o carro que já anda agoniado de velho

     os tectos da casa com desenhos da humidade 

     os preços de tudo a provocarem a nossa reforma


falamos da campanha de África 

onde formámos o nosso grupo

chamavam-nos os “meia-duzia” 

e nas confraternizações com os pretos

encostavamos a arma à parede

e esgrimiamos com cervejas


Abro a porta da minha casa aos amigos

aos amigos longínquos 

quando nos despedimos e marcamos novo encontro 

não sabemos se um ano depois

ainda seremos “meia-duzia” 

e por isso abraçamo-nos longamente

para passarmos energia uns aos outros


depois são as vozes deles longínquas

as memórias a tornarem-se longínquas

a amizade a permanecer longínqua 

a esperança 

o amor

o desejo

tudo longínquo 

para que não se esqueçam de mim

enviarei a todos pelo correio

um postal a dizer

     As árvores pedem ao vento

     que as ajude a falar.





 


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