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domingo, 12 de fevereiro de 2023

(do) olhar... José Gomes Ferreira

 

Photo: Man Ray



A história dos teus Olhos começou no Dia da Primeira Árvore 
quando as estrelas saíram dos poços para apodrecerem no céu.

Então as aves existiam apenas dentro da imaginação da luz 
e as flores ainda voavam no cio dos perfumes enlaçados.
O canto não tinha limites. Prolongava o silêncio 
até ao murmúrio das últimas constelações.

Foi então que os teus Olhos criaram o mundo.
Ordenaram as pedras com cuidado para não as acordar.
Pentearam os lagos com lírios.
Adormeceram os voos nas açucenas.
Separaram o mar das lágrimas dos homens
e deram às fogueiras este jeito de vento e de cabelos.

E pouca pouco os teus Olhos desfizeram-se no mundo.
Diluíram-se nos vales dos regatos de choro oculto,
na fixidez de remorso dos pirilampos,
nas pálpebras verdes do crepúsculo,
nos astros ainda trémulos de lágrimas no teu rosto.

E nesta Penumbra de coração em cinzas 
que me enreda e beija e quer e dói e ama,
e és tu, és tu, és tu a olhar para mim
- num envolver de braços no pescoço.


José Gomes Ferreira

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