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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

(o) olhar . Nuno Júdice
























Quero definir-te o que é este sentimento: 
o que pertence à esfera daquilo que a razão 
não domina, ou simplesmente nasce da noite, 
e de tudo o que a envolve. Falo de uma 
íntima relação entre os seres, de emoções 
que se transmitem para além de palavras e 
conceitos, de um encontro de corpos na 
esfera do segredo. Dir-me-ás: "Para que 
precisas de uma explicação para o amor?"
Mas é a sua inutilidade que me interessa; 
a dádiva, o simples dizer que as coisas são 
assim porque são, e para além disso tudo 
se complica. Podes, então, rir do que te 
digo; ou simplesmente dizer-me que as 
palavras nada substituem, e que tudo o que 
elas nos dão está a mais. Mas o amor 
pertence-nos. Não o podemos deitar fora; 
nem fingir que não existe, como não existe 
o infinito, a transcendência, a abstracção 
divina, para quem só crê no concreto. É 
verdade que o amor não se vê: o que vejo 
são os teus olhos, a ternura súbita das 
suas pálpebras, e o que elas abrem e escondem 
numa hesitação de luz. Eis, então, 
o que define este sentimento: um intervalo, 
uma distração do tempo, a divina abstração 
do infinito na transcendência do real.


Nuno Júdice

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