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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

(o) olhar . Nuno Júdice
























Quero definir-te o que é este sentimento: 
o que pertence à esfera daquilo que a razão 
não domina, ou simplesmente nasce da noite, 
e de tudo o que a envolve. Falo de uma 
íntima relação entre os seres, de emoções 
que se transmitem para além de palavras e 
conceitos, de um encontro de corpos na 
esfera do segredo. Dir-me-ás: "Para que 
precisas de uma explicação para o amor?"
Mas é a sua inutilidade que me interessa; 
a dádiva, o simples dizer que as coisas são 
assim porque são, e para além disso tudo 
se complica. Podes, então, rir do que te 
digo; ou simplesmente dizer-me que as 
palavras nada substituem, e que tudo o que 
elas nos dão está a mais. Mas o amor 
pertence-nos. Não o podemos deitar fora; 
nem fingir que não existe, como não existe 
o infinito, a transcendência, a abstracção 
divina, para quem só crê no concreto. É 
verdade que o amor não se vê: o que vejo 
são os teus olhos, a ternura súbita das 
suas pálpebras, e o que elas abrem e escondem 
numa hesitação de luz. Eis, então, 
o que define este sentimento: um intervalo, 
uma distração do tempo, a divina abstração 
do infinito na transcendência do real.


Nuno Júdice

Tempo Volta Para Trás - Tony de Matos




Ó tempo volta para trás, traz-me tudo o que eu perdi
tem pena e dá-me a vida, a vida que eu já vivi,
ó tempo volta para trás, mata as minhas esperanças vãs,
vê que até o próprio sol volta todas as manhãs.








Helena Guimaraes









AMOR NOS OLHOS TEUS



Essa pequena porção

do teu pescoço,
onde, em desalinho,
esvoaça teu cabelo,
move-me, excita-me
suga-me os sentidos.
Como és belo!
O pensamento fantasia,
renascido,
paixão imaginadas,
tão ardentes!
Vivo um mundo à parte
só contigo,
a mente cavalgando
sois poentes...
Tudo, na minha vida
se esfumou
no teu olhar triste
e escondido.
Nesse não sei quê
que vem de ti,
que transtorna meu ser
enlouquecido...
A teus pés coloco,
já vencida,
a alma, o corpo,
o pensamento meu,
a minha liberdade
tão querida,
a Vida , por amor
nos olhos teus!  


helena guimaraes
do livro "" Intimidades ""/ 1994   

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álvaro feijó











os dois sonetos de amor da hora triste




1
Quando eu morrer – e hei-de morrer primeiro
do que tu – não deixes fechar-me os olhos
meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
e ver-te-ás de corpo inteiro


como quando sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
dentro de mim, se, então, tiveres coragem
fecha-me os olhos com um beijo.
Eu, Marco Pólo,


farei a nebulosa travessia
e o rastro da minha barca
segui-lo-ás em pensamento. Abarca


nele o mar inteiro, o porto, a ria…
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.


2
Não um adeus distante
ou um adeus de quem não torna cá,
nem espera tornar. Um adeus de até já,
como a alguém que se espera a cada instante.


Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar
de novo para ti, no mesmo barco
sem remos e sem velas, pelo charco
azul do céu, cansado de lá estar.


E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação.
E não quero que chores para fora,
Amor, que tu bem sabes que quem chora


assim, mente. E se quiseres partir e o coração
to peça, diz-mo. A travessia é longa… Não atino
talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino.



álvaro feijó
os poemas de álvaro feijó
portugália
1961

Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

NADA NA VIDA É POR ACASO.....









ALEXANDRE O'NEILL










O Amor é o Amor



O amor é o amor — e depois?! 
Vamos ficar os dois 
a imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito, 
cortando o mar, cortando o ar. 
Num leito 
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos 
sem destino, sem medo, sem pudor 
e trocamos — somos um? somos dois? 
espírito e calor!

O amor é o amor — e depois? 

*
Alexandre O'Neill, in 'Abandono Vigiado'  



Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.




sábado, 25 de fevereiro de 2017

Adilson Shiva












SOLILÓQUIO


Para que serve o saber que tenho de teu corpo 
se não soubemos dançar uma canção do futuro?

Penso nas folhas secas sobrevivendo
às horas que passaram nos sonhos que nos faltaram...

A lua apagou sua luz em nosso último beijo
e a morte veio, desordenando tudo...


(Adilson Shiva)




Soliloquio...

¿Para qué sirve el saber que tengo de tu cuerpo
si no supimos bailar una canción del futuro?

Pienso en las hojas secas sobreviviendo
a las horas que pasaron en los sueños que nos faltaron…

La luna apagó su luz en nuestro último beso
y la muerte vino, desordenando todo…




(Adilson Shiva)

Pedro Tamen











Entrega   



E nisso haver. E nisso persistir....
Pensar perder-me em nada diluído
pela bola de neve que me desses
instantânea mas branca. Conseguir
amores de bruma e de estampido
num espaço que não sei e onde teces
a tua tempestade.


Correr a mão
pelo corpo que tens em tempos quedos,
deixá-la ir pelos agostos fartos
pelas horas de ceifas e de verão.
Deixar que a tua pele me guie os dedos
para chegar aos olhos e fechar-tos.



Pedro Tamen  


Foto de Antonio Maria.



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Maria Olinda Maia








Vem meu amor...
Vem meu amor
ficar comigo
em lençóis de ternura
e adormecer nas asas do amor.

Tua voz me embriaga
teu sorriso me alegra
teus olhos me falam
tuas mãos são carícias envolventes
teus dedos escrevem na minha pele
teu carinho me excita.
Vem meu amor...





Foto de Maria Olinda Maia.












Eugénio de Andrade






    Foi para ti que criei as rosas.
    ...
    Foi para ti que lhes dei perfume.
    Para ti rasguei ribeiros
    e dei às romãs a cor do lume.

    Foi para ti que pus no céu a lua
    e o verde mais verde nos pinhais.
    Foi para ti que deitei no chão
    um corpo aberto como os animais.

    Categories: As Mãos e os Frutos (1948), Escritor português, Eugénio de Andrade



Foto de Antonio Maria.

Lani (Zilani Celia)










BOM DIA TRISTEZA !



Estás aí, mesmo num dia lindo,
Não és bem vinda, a entrar, não te convido,
Se abrir a guarda, virás em mim morar,
E, novamente o sol, se negará a entrar...

Abri a janela, e pude ver as flores,
Se estivesses aqui, não lhes veria as cores,
Por muito tempo, foste minha companheira,
Mas, vá embora, acabou, quero viver por inteira...

Olhei em volta, como a muito não o fazia,
Vi sorrisos, transbordei de alegria,
Senti uma mão gentil, segurar a minha,
No exato momento, em que, ao tropeçar caia...

Como titã, lutei por minha alforria,
Fui tua escrava, cativa, não percebia,
Que algoz, sem pena, sugavas minha energia,
Não te quero mais, vá embora tristeza... Bom dia...

  Lani (Zilani Celia)    



Casimiro de Brito













Vou de partida
mas levo comigo
a solidão da pedra...
o branco das amendoeiras
e a boca insaciável
das ondas do mar
da minha infância —
e comigo levo
uma página branca
cheia de memórias
o arco-íris das cerejeiras
e mais a saudade
das mulheres que amei
e sorriso luminoso
dos meus filhos    



Casimiro de Brito   

Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.




quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

JOSÉ AFONSO ( ZECA AFONSO )








Saudades de um homem generoso e valente


É a grandeza de José Afonso que marca a sua memória. Era um homem generoso, solidário, valente. Um homem corajoso, um sonhador combativo, um homem da utopia que não se perdia na ilusão, porque acreditava que o que estava para vir devia ser acelerado, precipitado, para ficar à nossa vista em tempo útil.
O lugar de José Afonso nunca mais foi ou será preenchido por ninguém.

Zeca Afonso - Os Vampiros "Eles Comem Tudo" (Original)





A opinião duma brasileira sobre Portugal








ROUBADO A  UM BLOG  (  e porque sou português......aqui vai.  )



A opinião duma brasileira sobre Portugal


Dentre as coisas que mais detesto, duas podem ser destacadas: ingratidão e pessimismo.Sou incuravelmente grata e otimista e, comemorando quase 2 anos em Lisboa, sinto que devo a Portugal o reconhecimento de coisas incríveis que existem aqui — embora pareça-me que muitos nem percebam.
Não estou dizendo que Portugal seja perfeito. Nenhum lugar é. Nem os portugueses são, nem os brasileiros, nem os alemães, nem ninguém. Mas para olharmos defeitos e pontos negativos basta abrir qualquer jornal, como fazemos diariamente. Mas acredito que Portugal tenha certas características nas quais o mundo inteiro deveria inspirar-se.
Para começo de conversa, o mundo deveria aprender a cozinhar com os portugueses. Os franceses aprenderiam que aqueles pratos com porções minúsculas não alegram ninguém. Os alemães descobririam outros acompanhamentos além da batata. Os ingleses aprenderiam tudo do zero.
Bacalhau e pastel de nata? Não. Estamos falando de muito mais. Arroz de pato, arroz de polvo, alheira, peixe fresco grelhado, ameijoas, plumas de porco preto, grelos salteados, arroz de tomate, baba de camelo, arroz doce, bolo de bolacha, ovos moles. Mais do que isso, o mundo deveria aprender a se relacionar com a terra como os portugueses se relacionam. Conhecer a época das cerejas, das castanhas e da vindima. Saber que o porco é alentejano, que o vinho é do douro.Talvez o pequeno território permita que os portugueses conheçam melhor o trajeto dos alimentos até a sua mesa, diferente do que ocorre, por exemplo, no Brasil. O mundo deveria saber ligar a terra à família e à história como os portugueses. A história da quinta do avô, as origens trasmontanas da família, as receitas típicas da aldeia onde nasceu a avó. O mundo não deveria deixar o passado escoar tão rapidamente por entre os dedos. E se alguns dizem que Portugal vive do passado, eu tenho certeza de que é isso o que os faz ter raízes tão fundas e fortes.
O mundo deveria ter o balanço entre a rigidez e o afeto que têm os portugueses.De nada adiantam a simpatia e o carisma brasileiros se eles nos impedem de agir com a seriedade e a firmeza que determinados assuntos exigem. O deputado Jair Bolsonaro, que defende ideias piores que as de Donald Trump, emergiu como piada e hoje se fortalece como descuido no nosso cenário político. Nem Bolsonaro nem Trump passariam em Portugal .Os portugueses- de direita ou de esquerda — não riem desse tipo de figura, nem permitem que elas floresçam. Ao mesmo tempo, de nada adianta o rigor japonês que acaba em suicídio, nem a frieza nórdica que resulta na ausência de vínculos. Os portugueses são dos poucos povos que sabem dosar rigidez e afeto, acidez e doçura, buscando sempre a medida correta de cada elemento, ainda que de forma inconsciente.
Todo país do mundo deveria ter uma data como o 25 de abril para celebrar. Se o Brasil tivesse definido uma data para celebrar o fim da ditadura, talvez não observássemos com tanta dor a fragilidade da nossa democracia. Todo país deveria fixar o que é passado e o que é futuro através de datas como essa.Todo idioma deveria carregar afeto nas palavras corriqueiras como o português de Portugal carrega. Gosto de ser chamada de miúda. Gosto de ver os meninos brincando e ouvir seus pais chama-los carinhosamente de putos. Gosto do uso constante de diminutivos. Gosto de ouvir ”magoei-te?” quando alguém pisa no meu pé. Gosto do uso das palavras de forma doce.
O mundo deveria aprender a ter modéstia como os portugueses -embora os portugueses devessem ter mais orgulho desse país do que costumam ter.Portugal usa suas    melhores características para aproximar as pessoas, não para afastá-las. A arrogância que impera em tantos países europeus, passa bem longe dos portugueses.
O mundo deveria saber olhar para dentro e para fora como Portugal sabe.Portugal não vive centrado em si próprio como fazem os franceses e os norte americanos. Por outro lado, não ignora importantes questões internas, priorizando o que vem de fora, como ocorre com tantos países colonizados.
Portugal é um país muito mais equilibrado do que a média e é muito maior do que parece.Acho que o mundo seria melhor se fosse um pouquinho mais parecido com Portugal.Essa sorte, pelo menos, nós brasileiros tivemos.



Ruth Manus ( é advogada e professora universitária e assina um blogue no Estado de São Paulo, Retratos)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Dulce Pontes









DULCE PONTES /     GAIVOTA




Miguel Esteves Cardoso





                              Aprender de cor quem amamos.


Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue. Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida. 
Devemos tentar aprender de cor quem amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona. 




Miguel Esteves Cardoso  









Nuno Júdice










                                                                         Calvário

O Cristo que dorme, na gaveta do altar,

de espinhos vermelhos na cabeça e

feridas roxas nas mãos, tem os olhos

fechados. Desceu-lhe as pálpebras

a mão de Madalena, a loura prostituta

que ele roubou aos homens; limpou-lhe

o sangue o lenço de Verónica, a bela

compadecida que guardou o linho onde

o seu rosto permanece; cruzou-lhe as

mãos a Mãe, ouvindo na ira dos ventos

a voz divina. Que durma em paz, esse

Cristo roubado à cruz, na gaveta do

Altar aonde não chegam já as vozes do

homem. Adormecido, que nem um grito

de dor o desperte; nem um gemido

suplicante o distraia do seu sono; nem

a fúria das gerações lhe reabra as

feridas. Um a um, têm caído os espinhos;

pouco a pouco, o sangue confunde-se

com a cor da pele; e no seu rosto uma

antiga palidez recupera a vida. Até

que alguém reabra a gaveta, na véspera

de Páscoa, e o traga de volta a este

mundo: cravando mais fundo ainda

nas mãos e no pés, os pregos, no peito,

o bico da lança, e na cabeça, os espinhos.


Nuno Júdice



"Posso arrepender-me de ter mentido, de ter sido a causa de ruínas e sofrimentos mas nem à hora da morte me arrependeria de ter amado..." Graham Greene











terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Al Berto









e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência
o amor
o abandono das palavras
o silêncio

e a difícil arte da melancolia



Al Berto    

Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.

Rainer Maria Rilke ///// Anoitecer...






.

Anoitecer...
A noite vem buscar secretamente
através das dobras das cortinas
brilho de sol esquecido em teu cabelo.
Olha, nada mais quero que não seja
ter entre as minhas tuas mãos, e ser
tranquilo e bom, todo cheio de paz.
Fazes-me crescer a alma que estilhaça
o dia-a-dia em cacos; e assim ganha
uma amplitude que é milagre teu:
Nos seus molhes de aurora vão morrer 
as primeiras ondas de infinidade


Rainer Maria Rilke 





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