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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009


Estranha forma de vida



Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade
Que todos os ais são meus
Que é toda minha a saudade
Foi por vontade de Deus

Que estranha forma de vida
Tem este meu coração
Vive de vida perdida
Quem lhe daria o condão
Que estranha forma de vida

Coração independente
Coração que não comando
Vives perdido entre a gente
Teimosamente sangrando
Coração independente

Eu não te acompanho mais
Pára deixa de bater
Se não sabes onde vais
Porque teimas em correr
Eu não te acompanho mais

Amália Rodrigues

Foto:Elena & Vitaly Vasilieva

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SEM FILOSOFIA



Eu não consigo ler mentes
Longe estou de ser vidente,
Ou mesmo de ler a mão,
Mas, por encanto, por intuição,
Sei do que você precisa
E é meu coração que avisa
Que tudo pode ser tão fácil...
Por que dificultar e se iludir?
A questão é apenas táctil:
Deixe o desejo fluir,
Feche os olhos lentamente
E só sente, sente, sente...
Sem pensar em questionar
Razões para o porquê de amar.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O impossível carinho



Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero contar-te apenas a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PERCETO II



(Talvez Obsessões Prazeirosas fosse um bom título)

PERCETO II

Sempre estive, estou errado,
Porém, ser certo é monótono.

Troco o tônico e átono,
As pernas e os bares sem pena.

A pena que me deram, ser poeta,
Me pesa nas pálpebras cansadas.

A minha amada trata o sexo
Como supérfluo e o essencial

Seria tê-la, três vezes ao dia,
Como me receitou o doutor

Que sabe da fraqueza imensa
Do meu pobre e velho coração.

Faz assim não! Faz! A poesia,
Como o sexo, não me dá nenhuma paz!

(Do livro A Alquimia da Vida, Editora Castanheira/Printer Laser, 1999).

um ex-libres...

para abanar o capacete....srsrsrs

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

nem sempre poemas.....

Dádiva



Não me peçam palavras melífluas
quando apenas a sonora gargalhada
me irrompe do peito como pedra lascada
nem sorrisinhos de catálogo de moda
quando o mijar numa esquina da cidade
é um acto poético e cheira a vida
não me peçam gestos simétricos e convencionais
quando um cosmopolítico manguito
abarca toda a náusea
de Bordalo a Pasolini
Não me peçam nunca aquilo que vós quereis
porque eu dou apenas aquilo que possuo
e que é esta raiva enorme de cuspir
esta feroz vontade de gritar
e o sexo amplo enorme e predisposto
a fertilizar o amor em todas as esquinas
peçam-me a mim
nada mais
e dar-vos-ei tudo o que possuo
o suor o sangue o sexo
EU
e comigo dar-vos-ei o homem primitivo
o que recusa a civilização do marketing
o que caga nas gravatas dos public-relations
mas que aposta no futuro único do
CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS
Sim peçam-me a mim
Tomai e comei

ESTE É O MEU CORPO

Fernando Peixoto

Foto:Solatges Irina

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

PEDRO MIR



POUR TOI

Pedro Mir

Estoy de ti florecido
como los tiestos de rosas,
estoy de ti floreciendo
de tus cosas...
Menudo limo de amores
abona mis noches tuyas
y me florecen de sueños
como los cielos de luna...
Como tú mido los pasos
y la distancia es más corta,
hablo en tu idioma de amor
y me comprenden las rosas...
Es que ya estoy florecido.
Es que ya estoy floreciendo
de tus cosas.

Por ti

Estou de ti florescido
Como os bouquês de rosas,
Estou de ti florescendo
De tuas coisas...
Pequeno limo de amores
Abona minhas noites tuas
E me florescem de sonhos
Como os céus de lua...
Como tu meço os passos
E a distância é mais curta
Falo em idioma de amor
E me compreendes em rosas...
É que já estou florescido.
É que já estou florescendo
De tuas coisas.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Destruição



Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Paul Bolk

ESTRANHAR É PRECISO



Estranha Poesia

Num certo momento tudo é estranho.
Estranhos são teus filhos.
Estranha tua mulher.
Tua amante, uma estranha.

Tudo estranho como estranho
É o estranho olhar
No estranho rosto
No espelho estranho
Que estranhamente custo a identificar
Como meu.

Estranho como tudo se perdeu
No estranhamento.

Há um breve momento
De reconhecimento na memória
De um passado estranho:
O da minha estranha vida.
E mais estranho por tudo me ser tão familiar
Como se até mesmo o estranhar
Fosse comum.

E, por estranho que pareça,
Não posso continuar:
Até as palavras
Começam a me parecer estranhas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Esquecer



Longos dias de sonho e de repouso...
Ócio e doçura... Sinto, nestes dias,
Meu corpo amolecer, voluptuoso,
Num desfalecimento de energias.

A ler o meu poeta doloroso
E a fumar, passo as horas fugidias.
Entre um cigarro e um verso vaporoso
Sou todo evocações e nostalgias.

Quando por tudo a claridade morre
E sobre as folhas do jardim doente
A tinta branca do luar escorre,

A minha alma, a mercê de velhas mágoas,
É um pássaro ferido mortalmente
Que vai sendo arrastado pelas águas.

Ribeiro Couto

Foto:Jose A Gallego

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Poemas para a amiga (Fragmento 5)



Tanto mais eu te contemplo
tanto mais eu me absorvo
e me extasio

Como te explicar
o que em teu corpo eu sinto,
o que em teus olhos vejo,
quando nua nos meus braços
no meus olhos nua,
de novo eu te procuro
e no teu corpo vou-me achar?

Como te explicar
se em teu corpo eu me eternizo
e de onde e como
sendo eu pequeno e frágil
pelo amor me dualizo?

Tanto mais eu te possuo
tanto mais te tornas bela,
tanto mais me torno eu puro.

E à força de tanto contemplar-te
e de querer-te tanto,
já pressinto que em mim mesmo
eu não me tenho,
mas de meu ser, ora vazio,
pouco a pouco fui mudando
para o teu ser de graça cheio.

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Joris Van Dael

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

VINICIUS DE MORAES

VINICIUS DE MORAES

AÍ, QUEM ME DERA

Ai quem me dera, terminasse a espera
E retornasse o canto simples e sem fim...
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai quem me dera percorrer estrelas
Ter nascido anjo e ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de amor

Ah! Se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai quem me dera ouvir o nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguém chamar por mim...

Vinicius de Moraes

domingo, 29 de novembro de 2009

Namorando estrelas



Deixa brotar outra vez a madrugada.
Estarei de vigília
à tua espera.
Pode acontecer de me distrair
namorando estrelas
— foi assim uma vez
e não te vi passar.

Agora, não; aprendi com as girafas
e não te perco na noite.

E quando te sentir por perto
vou tremer por dentro
como nas manhãs de ressaca.
Se me olhares, sorrirei tímido;
se me gostares,
vou te amar como nunca.

Luiz de Aquino

Foto:Joris Van Daele

sábado, 28 de novembro de 2009

A hora do cansaço



As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Dima Oukhov

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A minha amante



Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem - e eu não protesto -
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

..............................................................

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Soneto ao caju



Amo na vida as coisas que têm sumo
E oferecem matéria onde pegar
Amo a noite, amo a música, amo o mar
Amo a mulher, amo o álcool e amo o fumo.

Por isso amo o caju, em que resumo
Esse materialismo elementar
Fruto de cica, fruto de manchar
Sempre mordaz, constantemente a prumo.

Amo vê-lo agarrado ao cajueiro
À beira-mar, a copular com o galho
A castanha brutal como que tesa:

O único fruto – não fruta – brasileiro
Que possui consistência de caralho
E carrega um culhão na natureza.

Vinícius de Moraes

Se eu nunca disse que os teus dentes



Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São dónix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Pérolas e ónix e corais são coisas,
E coisas não sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto buscava na poesia,
Na paisagem, na música,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo olhos, lábios, dentes.

Reinaldo Ferreira

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

SARA TEASDALE


The Kiss

Sara Teasdale

I hoped that he would love me,
And he has kissed my mouth,
But I am like a stricken bird
That cannot reach the south.

For though I know he loves me,
To-night my heart is sad;
His kiss was not so wonderful
As all the dreams I had.

O Beijo

Eu esperava que ela me amasse,
E ela já beijou a minha boca,
Mas eu sou como um pássaro ferido
Que não pode alcançar o sul.

Por que eu sei que ela me ama,
Esta noite o meu coração está triste;
Seu beijo não foi assim tão maravilhoso
Quanto em todos os sonhos que tive.

domingo, 22 de novembro de 2009

Este inferno de amar!



Este inferno de amar — como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não o sei
Mas nessa hora a viver comecei…

Almeida Garrett

Foto:Haleh Bryan

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Sonho, de amor



O meu sonho
é uma madeixa dos teus cabelos
sufocada ao luar de uma noite
cansada de amor.......

Amor, pois que é palavra essencial



Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Ir para o topo da página

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Stanmarek

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Vejo-te








Vejo-te, nítida,
projectada sob as pálpebras cerradas,
aberta aos sabores proibidos do Olimpo.


Salpicada de estrelas,
és nuvem de pele macia
numa faina de seda frutada.


Ao compasso
da luz a ninar-te o coração, flutuo
nos fluidos de ti e passo,
num pestanejar,
a percorrer as estrelas contigo.


Vejo-te, nítida,
por entre as pálpebras descerradas,
mas nem por isso menos proibida.






domingo, 15 de novembro de 2009

Desencontro Marcado



É, não vem,
não vou.
Deixa pra lá,
depois se vê.
Você queima
e eu não ponho
a mão no fogo por você.

Aldir Blanc

Foto:Gianny Candido

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

SEXTAS



Opacidade

Talvez o desejo
de ser transparente
me torne, muitas vezes,
tão claro
que nada se ilumina.

Deve ser minha sina
explicar tanto e tão bem
coisas infinitas e difíceis,
nas sextas-feiras,
quando meu desejo é tão simples
e direto
que dispensa palavras.

E, no entanto, não há amor concreto
nem paixão sem palavra

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Quarta-feira, Novembro 11, 2009

Penélope



Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.

David Mourão-Ferreira

Imagem retirada do Google

quinta-feira, 5 de novembro de 2009


Procura a maravilha.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.

No brilho redondo
e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada
de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pequena elegia de Setembro



Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade

Foto:Adriana K.H.

domingo, 1 de novembro de 2009

A arte de ser amada



Eu sou líquida mas recolhida
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária

aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.

Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.

Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.

Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.

Natália Correia

sábado, 31 de outubro de 2009

Olhar...



Desnudo-me...
Agacho-me de mim próprio
Não sei o rumo a tomar
Estou perdido
Rumei durante anos sem destino
Quero-me encontrar.
Nu, sinto que me “vejo” melhor
Nas ruas tenho de andar vestido
Usar óculos de sol
Para não verem as minhas olheiras.
No trabalho agarro-me aos papéis
Volto para casa e dispo-me
A liberdade de poder estar comigo
Pensar no que quero
Estar em mim...
Voar...
Entrar dentro de mim...
E mudar.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

JOSÉ MARIA GÓMEZ VALERO


EL TIEMPO QUE NOS QUEDA ES PARA LAS CARICIAS
[el lenguaje del perdón]

José Maria Gómez Valero


Pero si fui
el fuego en el que ardía tu casa,
las ruinas en tus ojos,
el dolor en tu voz.
Pero si fui
padre de tu hambre,
cuchillo en tu mesa,
sal en tu sed.
Pero si conseguí
que vivieras en desdicha,
que el miedo vistiera tus ropas,
que masticaras la soledad
como un fruto amargo.
Pero si fui arpón sucio
clavado en tu belleza:
por qué vienes.
Pero si no soy
digno de tu llanto:
por qué lloras ahora,
por qué te abrazas a mí.

[de Lenguajes]


O tempo que nos resta para as carícias
( A linguagem do perdão)

Mas se fui
o incêndio que queimou tua casa,
as ruínas de teus olhos,
a dor na tua voz.
Porém, se fui eu
o pai de tua fome
a faca na tua mesa,
o sal na tua sede.
Se consegui
que vivésses na miséria,
que o medo vestisse tuas roupas,
que mastigasses a solidão
como um amargo fruto.
Porém, se fui o arpão sujo
em tua beleza:
por que vens.
Porém, se não
digno de tuas lágrimas:
por que choras agora
por que te abraças a mim.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

RAFAEL DE DIOS



De roca y arena

Rafael de Dios

Apariencia de gélida roca
en las yemas te vas deshaciendo
de mis dedos. Te abrazo, te tiendo
y me bebo la miel de tu boca.

A mi piel, que, desnuda, te toca
y te abrasa cual cántaro hirviendo,
tú respondes amando y gimiendo
de manera fantástica y loca.

Moriría, cariño, de pena,
en tu cuerpo feliz navegante,
si algún día me fueras ajena.

Que preciso gozar, tierno amante,
de tu cuerpo de roca y arena
como el agua del mar incesante.

De rocha e areia

Aparência gelada de rocha
que em gomos se vai desfazendo
em meus dedos. Te abraço, te tendo
e eu bebo o mel de tua boca.

Minha pele, que, nua, te toca
e te abraça qual cântaro fervendo
tu respondes amando e gemendo
de maneira fantástica e louca.

Morreria, querida, de tristeza,
em teu corpo feliz navegante
se um dia ficasse alheio à tua beleza. .

Que preciso gozar, terno amante
de teu corpo de areia e dureza
como a água do mar incessante.

Ilustração: Cundo Bermundez, Mujer peinando su amante

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Quero



Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
dementes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Carlos Drummond de Andrade

Imagem retirada do Google

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

" roubado " a um blog que muito aprecio....

Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...

Florbela Espanca
Imagem retirada da internet

domingo, 25 de outubro de 2009

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Certezas, precisam-se



Preciso urgentemente de adquirir meia dúzia de valores absolutos,
inexpugnáveis e impenetráveis,
firmes e surdos como rochedos.

Preciso urgentemente de adquirir certezas,
certezas inabaláveis, imensas certezas, montes de certezas,
certezas a propósito de tudo e de nada,
afirmadas com autoridade, em voz alta para que todos oiçam,
com desassombro, com ênfase, com dignidade,
acompanhadas de perfurantes censuras no olhar carregado, oblíquo.

Preciso urgentemente de ter razão,
de ter imensas razões, montes de razões,
de eu próprio me instituir em razão.
Ser razão!
Dar um soco furibundo e convicto no tampo da mesa
e espadanar razões nas ventas da assistência.

Preciso urgentemente de ter convicções profundas,
argumentos decisivos,
ideias feitas à altura das circunstâncias.
Preciso de correr convictamente ao encontro de qualquer coisa,
de gritar, de berrar, de ter apoplexias sagradas
em defesa dessa coisa.
Preciso de considerar imbecis todos os que tiverem opiniões diferentes

da minha,
de os mandar, sem rebuço, para o diabo que os carregue,
de os prejudicar, sem remorsos, de todas as maneiras possíveis,
de lhes tapar a boca,
de lhes cortar as frases no meio,
de lhes virar as costas ostensivamente.
Preciso de ter amigos da mesma cor, caras unhacas,
que me dêem palmadinhas nas costas,
que me chamem pá e me façam brindes
em almoços de camaradagem.
Preciso de me acocorar à volta da mesa do café,
e resolver os problemas sociais
entre ruidosos alívios de expectoração.
Preciso de encher o peito e cantar loas,
e enrouquecer a dar vivas,
de atirar o chapéu ao ar,
de saber de cor as frequências dos emissores.
O que tudo são símbolos e sinais de certezas.
Certezas!
Imensas certezas! Montes de certezas!
Pirinéus, Urais, Himalaias de certezas!

António Gedeão

Foto:Grzegorz Szczerbaciuk

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Quinta-feira, Outubro 15, 2009

Pelo vento



A presença constante
Do teu sorriso
Perturba-me
E soletra-me
A vida mágica
Do encanto
Nas folhas trazidas
Pelo vento
E no sorriso lindo
De um poema
Conta-me uma história
Inacabada
Num só verbo feliz.

Paula Raposo , in"Marcas ou Memórias do Vento", pág.23, Apenas Livros Lda

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

domingo, 11 de outubro de 2009

Soneto do cativo



Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

David Mourão-Ferreira

sexta-feira, 9 de outubro de 2009



Os Veinte anos de Patxi Andion

O CSA relembrou Patxi Andion e eu relembrei Patxi, como sempre, através da canção que ouvi sem cansar, há trinta e alguns anos. É um poema lindíssimo, cantado de uma forma quase dita, que atinge alguns sentidos adormecidos na memória. Até porque não se pode viver sempre bem, com todos os sentidos acordados e agitados.
«Só se pode viver em ruptura constante. Se alguém ganha alguma coisa de novo, perde outra».

Veinte anos de estar juntos,
esta tarde se han cumplido,
para ti flores, perfumes
para mi...!Algunos libros!

No te he dicho grandes cosas
porque no me habrian salido,
! ya sabes cosas de viejos!
!Requemor de no haber sido!

Hace tiempo que intentamos
bonar nuestro Destino,
Tú bajabas la persiana.
Yo apuraba mi ultimo vino.

Hoy
En esta noche fría
casi como ignorando el sabor
de soledad compartida,
quise hacerte una canción,
para cantar despacito,
como se duerme a los ninos.
Y ya ves solo palabras,
sobre notas me han salido.

Que al igual que tú y que yo,
se soportan amistosas,
ni se importan ni se estorban,
mas non son una canción.

...Qué helaba está esta casa.
...Será que está cerca del Rio.
...O es que entramos en invierno.
...Y están llegando...
...Están llegando los fríos.

( El Arbujuelo , Soria, y a los 15 días del mes de Noviembre de 1970)