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domingo, 3 de setembro de 2023

António Ramos Rosa

 

3

a Jean Malrieu

Chamo-te    chamo-te    ao rés da terra
face de sombra e erva            Não és o rosto nem a 
sombra do corpo 
Chamo-te face de sombra
e erva 
sem saber se te chamo
ou se escrevo apenas a sombra de uma palavra 

Se te encontrasse diria esplendor    diria rosto 
viveria como uma folha à sombra de uma folha 
Tantas sombras sombras         Se escrever fosse 
percorrer o teu corpo 
ou as feridas em que a terra sangra

Que palavras são estas no deserto 
que palavras tão lentas
tão pobres 

Quando é que foste o esplendor 
e os membros altos se juntavam lentos 
chama sobre chama
boca contra boca?

Porquê estas palavras            Estas sombras de pedra 
pedras de sombra 
jogos nulos no vazio da areia 

Se te chamo não sei com que palavra 
te acordarei 
Que argila límpida
te moldará o rosto que olhos de água 
me darão teu corpo na surpresa da terra 

E todavia chamo-te na ténue pulsação destas palavras tão ténues como 
pálpebras de areia chamo-te sem saber se te vejo se 

tu existes para aquém ou para além destas palavras 
    chamo-te com as ervas 
    com a sombra 
    com a água 
    com as pedras 
    com esta árvore de silêncio 

    Chamo-te com as mãos da terra 

Mas não estarás tu sempre presente na ausência? Não serás tu a figura 
nula inacessível que vive no silêncio do espaço branco? Não sei já quem 
tu és se tens um corpo se escrever é perder-te ainda mais se caminho em
vão ou se te encontro na própria perda se já te achei e te acho a cada 
passo 

lâmpada branca 
                        esparsa 
nesta página 
jovem braço 
de um poema 
em que posso escrever de novo 
jardim 
espaço
e ver os teus olhos 
da cor do ar


António Ramos Rosa




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