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terça-feira, 31 de julho de 2012

Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo.


Elegância horizontal




Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.


Joaquim Pessoa

domingo, 29 de julho de 2012

Quando me sinto só....

Quando me sinto só
Como tu me deixaste
Mais só que um vagabundo
Num banco de jardim

É quando tenho dó
De mim e por contraste
Eu tenho ódio ao mundo
Que nos separa assim


Quando me sinto só
Sabe-me a boca a Fado
Lamento de quem chora
A sua triste mágoa

Rastejando no pó
Meu coração cansado
Lembra uma velha nora
Morrendo à sede de água


Pra que não façam pouco
Procuro não gritar
A quem pergunto, amigo
Não quero meter dó


Florisa.


Eu chego a desejar
Que sintas o que sinto
Quando me sinto só  









Para ouvir....

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O Poema



O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá

Às searas

Sua passagem se confundirá

Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará

O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes

Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas

Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará

Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas

De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
.


Sophia de Mello Breyner e Andresen

terça-feira, 24 de julho de 2012

O teu nome




Flor de acaso ou ave deslumbrante,

Palavra tremendo nas redes da poesia


Close

O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo,
De todas as cores do dia!


Alexandre O'Neill

domingo, 22 de julho de 2012

A Liturgia do Sangue




Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
o gosto a sol e a sangue dos sentidos.
Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.
No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.
(...)
Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!
Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.
Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.
Nus e esnsaguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
e coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.


José Carlos Ary dos Santos

Se houvesse degraus na terra...


 

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,

eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.

cotidiano

E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,

levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.

Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.



Herberto Helder

terça-feira, 17 de julho de 2012

O tempo, subitamente solto





Distracted

O tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias, 
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo, 

mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer. 

eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar, 

que eu amava quando imaginava que amava. era a tua 

a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto. 

era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores 

e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde. 

muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.



José Luís Peixoto


Imagem retirada do Google

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Reencontro




Chove pedra.
A pedra dissolve-se
na calçada.
Eu desapareço
em lapsos
como uma desmarcação
de não vida:
e fico pó
e adormeço de novo
no seio quente
de minha mãe.
Sou chuva.
Um reencontro de amor.
 
 
DE: Paula Raposo

sábado, 14 de julho de 2012

Imagens




Meus olhos percorreram teu rosto...
Envolvi-me em tua alma inocente.
Não entendi o que você me disse,
Fiquei encantado com a ópera da sua voz:
A música dos anjos.

Você não existe...

Apenas imagens...
Sentimentos são puros

Apenas a lembrança...
Anjos resistem ao tempo

O mundo é feito de imagens,
A imagem do amor é você.
Até hoje não sei se sonhei
Ou continuo acordado.
Quero voltar ao passado,
Tentar encontrar você no futuro.

A fotografia do tempo na lembrança
De quem testemunhou
A queda de um anjo na terra.

- Talvez este sonho nunca acabe.


Thiago Maia

Foto:Howard Schatz

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A mais dolorosa das histórias




Silêncio
Façam silêncio
Quero dizer-vos minha tristeza

Ana Carolina
Minha saudade e a dor
A dor que há no meu canto



Oh, silenciai
Vós que assim vos agitais
Perdidamente em vão
Meu coração vos canta
A mais dolorosa das histórias
Minha amada partiu
Partiu

Oh, grande desespero de quem ama
Ver partir o seu amor


Vinícius de Moraes

Sobre a terra




Sei que estou vivo e cresço sobre a terra. 
não porque tenha mais poder, 

nem mais saber, nem mais haver. 

Como lábio que suplica outro lábio, 

como pequena e branca chama 

de silencio, 

como sopro obscuro do primeiro crepúsculo, 

sei que estou vivo, 

vivo sobre o teu peito, 

sobre os teus flancos, 

e cresço para ti. 



Eugénio de Andrade



Imagem retirada do Google

quarta-feira, 11 de julho de 2012

De : Jorge Carrera Andrade



Golondrinas


Jorge Carrera Andrade


Que me busquen mañana.

Hoy tengo cita con las golondrinas.
En las plumas mojadas por la primera lluvia
llega el mensaje fresco de los nidos celestes.
La luz anda buscando un escondite.
Las ventanas voltean páginas fulgurantes
que se apagan de pronto en vagas profecías.
Mi conciencia fue ayer un país fértil.
Hoy es campo de rocas.
Me resigno al silencio
pero comprendo el grito de los pájaros
el grito gris de angustia
ante la luz ahogada por la primera lluvia.

Andorinhas


Que me procurem amanhã.

Hoje eu tenho um encontro com as andorinhas.
Nas penas molhadas pela primeira chuva
chega a mensagem fresca dos ninhos celestes.
A luz anda buscando um esconderijo.
As janelas folheiam páginas fulgurantes
que se apagam em vagas profecias.
Minha consciência foi ontem um país fértil.
Hoje é campo de rochas.
Resigno-me ao silêncio,
porém, compreendo o grito das aves
o grito cinzento de angústia
ante a luz afogada pela primeira chuva. 


DO BLOG ; By SPERSIVO

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Poeminha Amoroso





Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...
E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.
Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo..
.

Cora Coralina

Foto:Jeanloup Sieff

sábado, 7 de julho de 2012

QUERO......

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
dementes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de ama-me,


Grunge Chick
que nunca me amaste antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor. 

De Carlos Drumomd de Andrade


 

sexta-feira, 6 de julho de 2012

VOCÊ É......





O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra.
E a mulher onde começa o céu.
Extrato do Poema de Victor Hugo

DE : cesário verde


Só dores de Cabeça...

Eu que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa de um café devasso,
Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorrestes um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, sudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
...
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,

E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Um pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Mãos...




Porque estão estas mãos assim?
À espera?
Mas à espera de quê?
A vida passa e não dá para esperar.
Tem de se viver, seja como for.
Não podemos cruzar as mãos e nada fazer.
Esperar é a morte em vida.
Mãos que esperam por algo que nunca virá...assim vegeta-se.
Que pena muita gente não poder viver...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Escrevi Teu Nome No Vento

Escrevi Teu Nome No Vento

Escrevi teu nome no vento
Convencido que o escrevia
Na folha dum esquecimento
Que no vento se perdia

Ao vê-lo seguir envolto / Na poeira do caminho
Julguei meu coração solto / Dos elos do teu carinho

Em vez de ir longe levá-lo / Longe, onde o tempo o desfaça
Fica contente a gritá-lo / Onde passa e a quem passa

Pobre de mim, não pensava / Que tal e qual como eu
O vento se apaixonava / Por esse nome que é teu

E quando o vento se agita / Agita-se o meu tormento
Quero esquecer-te, acredita / Mas cada vez há mais vento

Erótica .....



A noite descia
como um cortinado
sobre a erva fria
do campo orvalhado.
e eu (fauno em vertigem)
a rondar em torno
do teu corpo virgem,
sonolento e morno,
pensava no lasso
tombar do desejo;
em breve, o cansaço
do último beijo...
E no modo como
sentir menos fácil
o maduro pomo
do teu corpo grácil:
ou sem lhe tocar
– de tanto o querer! –
ficar a olhar,
até o esquecer,
ou como por entre
reflexos do lago,
roçar-lhe no ventre
luarento afago;
perpassando os meus
nos teus lábios húmidos,
meu peito nos teus
brancos
seios
túmidos...


Carlos Queirós

terça-feira, 3 de julho de 2012

Houve tempo...






Houve um tempo
em que conversar com os mortos
consistia na minha diversão.
Na verdade foi um tempo de instrução,
pois, os mortos sempre tem o que ensinar.
É verdade que as conversas
eram verdadeiras aulas de história
por versarem sempre sobre o passado
que era o assunto por demais repisado.
Hoje me culpo por ter abandonado
meus interlocutores que confesso eram prazeirosos,
embora fossem conversas sem futuro.
Os mortos, devo confessar, não fazem mal
e mantinham um clima espiritual
que me agradava.
O ruim de conversar com os mortos
é que possuem um humor bastante negro
e viviam, por esporte, a zombar de mim
lembrando que a vida é uma passagem
e que os encontraria no fim da viagem.
O que queriam de mim? Não sei.
Só os abandonei porque virou um vício
que troquei por videos games.
Mas, hoje, nem sei se fiz bem.
Quem vive na internet vida social também não tem
E, como os mortos, parece virtual
os amigos que na rede arranjei! 
 
Do blog  By Spersivo

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Da sedução dos anjos




Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P'ra que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.


Bertolt Brecht

Foto:Orazio Centaro
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

De: Alexandre O´Neill