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segunda-feira, 30 de junho de 2008

É só de mim que ando delirante...


Álcool



Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo ---
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante ---
Manhã tão forte que me anoiteceu.

Mário de Sá-Carneiro

Foto:Piotr Kowalik

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Não, pois não...

Se duvidas que teu corpo...



Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo –
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
– desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.

Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha –
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.

António Botto

Foto:Shubina Olga

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Contar-te longamente....

Coisa Amar



Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

Foto:Zacarias Pereira da Mata

terça-feira, 24 de junho de 2008

Porque me apeteceu.....

Hasta siempre Comandante



Aprendimos a quererte
desde la histórica altura
donde el sol de tu bravura
le puso un cerco a la muerte.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
Comandante Che Guevara.

Tu mano gloriosa y fuerte
sobre la historia dispara
cuando todo Santa Clara
se despierta para verte.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
Comandante Che Guevara.

Vienes quemando la brisa
con soles de primavera
para plantar la bandera
con la luz de tu sonrisa.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
Comandante Che Guevara.

Tu amor revolucionario
te conduce a nueva empresa
donde esperan la firmeza
de tu brazo libertario.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
Comandante Che Guevara.

Seguiremos adelante
como junto a ti seguimos
y con Fidel te decimos:
hasta siempre Comandante.

Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
Comandante Che Guevara.

Carlos Puebla

Imagem daqui

domingo, 22 de junho de 2008

A que há-de vir



Aquela que dormirá comigo todas as luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.


Como é bom sonhar....

sábado, 21 de junho de 2008

mínimo dos mínimos

O mínimo de nós dois



No pequeno espaço
entre teu olhar e o meu
brilha a estrela do desejo
que nos guia um para o outro

Na ausente distância
entre teus lábios e os meus
brincam e fundem-se os hormônios
da nossa química mais secreta

No mínimo silêncio
onde somente nossos corpos falam
deslizam mãos em carícias
de tatos cegos que tudo dizem

No fugaz e eterno momento
da consumação de nosso amor
gritam gargantas no gozo do prazer
da quase dor desse explodir...

Camila Sintra

Foto:Stanmarek

quinta-feira, 19 de junho de 2008


Frutos



Quando a amada oferece
o seu corpo, ela sabe
que dos frutos apenas
se colhe o sabor.
É então
que os dedos
separam as películas,
que a lâmina desce e a água
e o fogo se misturam.
E é então que a vida
e a morte convivem
sob o mesmo tecto.

Albano Martins

Foto:Stanmarek

terça-feira, 17 de junho de 2008

Poema da Auto-Estrada



Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
De impaciente nervura.
Como guache lustroso,
Amarelo de indantreno,
Blusinha de terileno
Desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.
Agarrada ao companheiro
Na volúpia da escapada
Pincha no banco traseiro
Em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
Que o receio não é com ela,
Mas por amor e cautela
Abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
Corta a lambreta afiada,
Engole as bermas da estrada
E a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
Bramir de rinoceronte,
Enfia pelo horizonte
Como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
O céu, as nuvens, as casas,
E com os bramidos que solta
Lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
Já nem percebe, Leonor,
Se o que lhe chega aos ouvidos
São ecos de amor perdidos
Se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.

António Gedeão

Imagem daqui

sábado, 14 de junho de 2008


NO MEU OLHAR ESTOU AUSENTE

Sábado, Junho 14, 2008

É



Pensei conhecer as sombras pelos nomes,
especialmente, os das sombras das esquinas,
e todos os nomes,
todas as sombras,
todas as esquinas,
quis conhecer.
Pensei conhecer as nuvens pelos nomes,
mas, fundamentalmente, o nome de cada esquina,
e todos os nomes,
todas as nuvens,
todas as esquinas
quis conhecer.
Penso já conhecer as nuvens, pela sombra,
mas não, seguramente, as esquinas de cada nome.

Manuel Filipe,

Foto:Bugra Sadikoglu

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Não sei quantas almas tenho



Foto de SiroAnton



Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.



Alberto Caeiro (Poeta Português, 1989-1915)
Heterónimo de Fernando Pessoa (Poeta Português, 1988-1935)

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Leo Zelada - Percival



“O que ama, obedece"
Chrétien de Troyes
siglo XII



sou o cavaleiro negro andante
que caminha silencioso entre as sombras
e desaparece taciturno sobre a névoa
aquele que luta por absurdas e ilusórias cruzadas
e só encontra o amargo olhar do exílio
não obstante é o que ao sopé de uma solitária torre
espera sua donzela — ordem das rosas —
na vasta imensidão da noite




Leo Zelada (Poeta Peruano, 1970- )

terça-feira, 10 de junho de 2008

Terça-feira, Junho 10, 2008


Verdes são os campos



Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasteis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões

Foto:Guillermo Morgana

segunda-feira, 2 de junho de 2008

De mim para mim....

Poema do silêncio



Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Régio

Foto:Piotr Kowalik