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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Helder Moura Pereira

 

janeiro


Meu Deus, o que as pessoas guardam. 
Transportam a memória das casas, 
dizem que não querem mas transportar 
a memória das casas. Imagens de coisas 
concretos, sim, mas também muitas 
coisas concretas. Sapatos que já não 
se calçam, casacos que já não se põem. 
Música que ouvi um pouco, porque 
pode ser que haja, enfim, tempo. 
E música que ouvi muito, porque 
sabe bem ouvir a música que ouviram 
Muito. Resmas de papel antigo, porque 
qualquer vida dá um romance.


Helder Moura Pereira






MURAL


terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Miguel Torga

 Miguel Torga

Chove uma grossa chuva inesperada
que a tarde não pediu mas agradece.
Chove na rua, já de si molhada
duma vida que é chuva e não parece.
Chove, grossa e constante,
uma paz que há de ser.
Uma gota invisível e distante
na janela, a escorrer.




quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Luís Miguel Nava

 




Escrever é, para mim, tentar desfazer nós, embora o que na realidade 
acabo sempre por fazer seja embrulhar ainda mais os fios. A própria 
caligrafia é sufocada. 
Há, todavia, um momento em que as palavras são cuspidas, saem 
em borbotóes, e o sangue e a saliva impregnam o sentido. É impossível 
separá-los. 
Por trás talvez não haja mesmo nada. São palavras que não estão 
ginasticadas, que secam e encarquilham como folhas por que a seiva já não 
passe. 
Oprimem toda a página, através da qual deixa de ser possível respirar. 
Tapam-lhe os poros. A própria chuva que neles caia não se escoa.


Luís Miguel Nava



segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

AL BERTO

 

Jan




tem os braços esticados, dorme 
como as antigas bonecas de porcelana, os braços ancorados em todos 
os ventos 
todas as seivas escorrendo, dorme 
os misteriosos olhos de vidro sempre abertos, perturbam 
dorme a fingir o sono 

num plano recuado do sonho erguem-se os brinquedos de areia 
ele estica os braços, mas não consegue o abraço das margens do rio 
talhado à faca 
há sempre um rio no fundo de cada sonho
uma planície líquida por trás de cada retrato 
depois, ele feneceu ao anoitecer 
porque é a essa hora que morrem as árvores, e surgem as dádivas da 
água na carne dos cactos 
refulgem corações escavados no cimento das casas 

um cipreste entristecido sobe, perfuma o espaço com seu pólen 
resplandecente 
ele dorme, como um presságio os pássaros marítimos pressentiam-se nas 
fendas do sono 
na fuga cantante dos aquáticos pulsos

AL BERTO 



segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

POESIA

 Eugénio de Andrade



Aquela Nuvem
- É tão bom ser nuvem,
ter um corpo leve,
e passar, passar.
- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.
- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.
- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?
- Serve para te ver.
E passar, passar.
In "Aquela Nuvem e Outras" 1986




domingo, 5 de janeiro de 2025

How Your Brain Picks Your Crush!




sábado, 4 de janeiro de 2025

- Alexandre O'Neill

 (…)

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

- Alexandre O'Neill