LEMBRANÇASO seu rosto esmaga todas as minhas lembrançasDançando,como dançavam, suas tranças,No palco esfumaçado da recordação.Sei não, sei não, sei não...Sei sim. A ilusão permanece em mimSem remédio, sem meio, sem fim,Multiplicando a dor que não se cura,Derramando dos seus labios a doçura.Abro os olhos sua imagem, rápida, some,E fico como um louco a sussurar seu nomeFeito um segredo oculto e inatingívelAlém, muito além, do que é possível!De "Imagens da Incerteeza",1988.
Denúncia
Sonharei, no teu seio calmo,O sonho invisível do cego de nascença.Dormirei, no teu cerrar de pálpebras,Como um peixe desliza entre os ramos de árvoreReflectidos na água.Dormirei, nas tuas mãos pousadas no meu corpo,O desejo de te acariciar sem perigo- não vá tirar-te escamas, borboleta presa.Dormirei, no teu sexo, a solidão do meuAo existir para que eu pense em ti.Dormirei, na tua vida, a teimosia humanaDe um sentido universal para as coisas connosco.E se, depois, meu amor, formos estéreis,Se a demora do tempo tiver tido um gesto abandonado,E a morte, à nossa volta, um moleiro sem trigo,O mundo que vier inveja-nosE o nosso espírito há-de perdoar-nos.Jorge de SenaFoto:Konrad Gös