E de novo a armadilha dos abraços
E de novo a armadilha dos abraços.E de novo o enredo das delícias.O rouco da garganta, os pés descalçosa pele alucinada de carícias.As preces, os segredos, as risadasno altar esplendoroso das ofertas.De novo beijo a beijo as madrugadasde novo seio a seio as descobertas.Alcandorada no teu corpo imensoteço um colar de gritos e silênciosa ecoar no som dos precipícios.E tudo o que me dás eu te devolvo.E fazemos de novo, sempre novoo amor total dos deuses e dos bichos.Rosa Lobato FariaFoto:Norbert Guthier
Santo e Senha
Deixempassar quem vai na sua estrada.Deixem passarQuem vai cheio de noite e de luar.Deixem passar e não lhe digam nadaDeixem, que vai apenasBeber água de sonho a qualquer fonte;Ou colher açucenasA um jardim que ele lá sabe, ali defronte.Vem da terra de todos, onde moraE onde volta depois de amanhecer.Deixem-no pois passar, agoraQue vai cheio de noite e solidãoQue vai ser uma estrela no chão.Miguel TorgaFoto retirada do Google
Mas que sei eu
Mas que sei eu das folhas no outonoao vento vorazmente arremessadasquando eu passo pelas madrugadastal como passaria qualquer dono?Eu sei que é vão o vento e lento o sonoe acabam coisas mal principiadasno ínvio precipício das geadasque pressinto no meu fundo abandonoNenhum súbito súbdito lamentaa dor de assim passar que me atormentae me ergue no ar como outra folhaqualquer. Mas eu que sei destas manhãs?As coisas vêm vão e são tão vãscomo este olhar que ignoro que me olha.Ruy BeloFoto:Piotr Kowalik
Amo-te no intenso tráfego
Amo-te no intenso tráfegoCom toda a poluição no sangue.Exponho-te a vontadeO lugar que só respira na tua bocaÓ verbo que amo como a pronúnciaDa mãe, do amigo, do poemaEm pensamento.Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncioDos teus lábios.Molda-me a partir do céu da tua bocaPorque pressinto que posso ouvir-teNo firmamento.Daniel FariaImagem retirada do Google
Sem outra palavra para mantimento
Sem outra palavra para mantimentoSem outra força onde gerar a vozEscada entre o poço que cavaste em mim e a sedeQue cavaste no meu canto, amo-teSou cítara para tocar as tuas mãos.Podes dizer-me de um fôlegoFrase em silêncioHomem que visitasÓ seiva aspergindo as partículas do fogoO lume em toda a casa e na paisagemFora da casaPedra do edifício aonde encontroA porta para entrarCandelabro que me vens cegando.SolQue quando és nocturno andoCom a noite em minhas mãos para ter luz.Daniel FariaImagem retirada do Google