MAY
Tudo o que há para dizer sobre a beleza
está resumido no teu corpo, em cada fragmento
dele, na linha que o olhar desenha da testa até aos pés,
sem esquecer os cabelos, sem esquecer os dedos. Há
quem prefira formas abstractas, quem não se preocupe
se o pescoço é longo, se a face tem um perfil
puro, sem a dúvida de uma imperfeição, quem não precise
sequer de ouvir a sua voz. Oh, posso dizer, essa voz
que vem de um céu distante, que atravessa os ouvidos
como a corrente de um rio, que nos permite passar
de uma para a outra margem entre uma palavra
e um silêncio, sem que seja preciso uma ponte: uma voz
que transporta a engenharia dos sentimentos, e de onde surgem
colunas firmes como as de um templo de vogais e consoantes,
entoadas numa rotação de braços sobre o pilar de um busto. Sim,
também podia falar de uma estátua, com a diferença de que
a tua pele, ao contrário do mármore, é quente e macia
quando se deixa tocar, e os lábios são húmidos quando os abres,
e a respiração do desejo os percorre. Chegado aqui, podem
perguntar-me o que há mais para dizer: a beleza é infinita,
e não se pode resumir em meia dúzia de versos, como faziam
os clássicos; o calor que nos atrai só te pertence a ti; a tua atitude,
quando estás imóvel, só existe em seres tão únicos como essa garça
que pousou na areia e ali se manteve enquanto o céu se enchia
com as nuvens da tempestade; e o perfume de uma hesitação
cola-se a ti, como o aroma das ervas se desprende da terra
do outono, para que nela nos deitemos, sentindo essa variedade
que embriaga os insectos. Porém, não há nada de exacto naquilo
que descrevo, isto é, nada a não ser essa realidade que emerge
da tua imagem, apenas para que eu conclua que a beleza de um corpo
é a mais bela invenção do amor.
Nuno Júdice
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