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sábado, 25 de maio de 2024

Nuno Júdice

 

MAY

Tudo o que há para dizer sobre a beleza 
está resumido no teu corpo, em cada fragmento 
dele, na linha que o olhar desenha da testa até aos pés, 
sem esquecer os cabelos, sem esquecer os dedos. Há 
quem prefira formas abstractas, quem não se preocupe 
se o pescoço é longo, se a face tem um perfil 
puro, sem a dúvida de uma imperfeição, quem não precise 
sequer de ouvir a sua voz. Oh, posso dizer, essa voz 
que vem de um céu distante, que atravessa os ouvidos 
como a corrente de um rio, que nos permite passar 
de uma para a outra margem entre uma palavra 
e um silêncio, sem que seja preciso uma ponte: uma voz 
que transporta a engenharia dos sentimentos, e de onde surgem 
colunas firmes como as de um templo de vogais e consoantes, 
entoadas numa rotação de braços sobre o pilar de um busto. Sim, 
também podia falar de uma estátua, com a diferença de que 
a tua pele, ao contrário do mármore, é quente e macia 
quando se deixa tocar, e os lábios são húmidos quando os abres, 
e a respiração do desejo os percorre. Chegado aqui, podem 
perguntar-me o que há mais para dizer: a beleza é infinita, 
e não se pode resumir em meia dúzia de versos, como faziam 
os clássicos; o calor que nos atrai só te pertence a ti; a tua atitude, 
quando estás imóvel, só existe em seres tão únicos como essa garça 
que pousou na areia e ali se manteve enquanto o céu se enchia 
com as nuvens da tempestade; e o perfume de uma hesitação 
cola-se a ti, como o aroma das ervas se desprende da terra 
do outono, para que nela nos deitemos, sentindo essa variedade 
que embriaga os insectos. Porém, não há nada de exacto naquilo 
que descrevo, isto é, nada a não ser essa realidade que emerge 
da tua imagem, apenas para que eu conclua que a beleza de um corpo 
é a mais bela invenção do amor.


Nuno Júdice






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