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terça-feira, 23 de abril de 2024

Maria Teresa Horta

 

APR




Assim... meu amor 
penetra o tempo 

as ancas devagar 
as pernas lentas 

o charco dos teus olhos 
e a laranja 
a palpitar dentro do meu ventre 

Assim... meu amor 
penetra o tempo 

a boca devagar 
os dedos lentos 

a raiva do punhal que enterras 
no sol pastoso 
do meu ventre 

Assim... meu amor 
penetra o tempo 

os rins devagar 
o espasmo lento


Maria Teresa Horta






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Entre o que de especial me acontece e acreditar que o sou, habita a subtileza de um desacerto incurável.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Amália Rodrigues - Lágrima






AMÁLIA RODRIGUES - LÁGRIMA



Amália não tinha estudos.Tirara apenas a instrução primária, o máximo que se poderia esperar na época e no meio social em que nasceu. Ela própria, numa segunda carta a Vitorino Nemésio, confirma isso mesmo:« Ai meu querido professor, eu nunca fui sua aluna, não tenho instrução nenhuma. Como é que posso entender o que o senhor quis dizer sem saber ler nem escrever?».

 Mas Amália era uma pessoa inteligente, intuitiva, sensível e adquiriu saber na convivência ao longo da vida. A Letra deste fado lindíssimo é de sua autoria e foi considerado pelos especialistas uma obra prima que no seu sentido profundo, à boa maneira fadista, significa: realidade/sonho/sofrimento de amor/disponibilidade para morrer» Merece ser escutado com os ouvidos da alma.

Juan Vicente Piqueras

 

APR





Para um poeta esquecido 

Tu não existes, diziam-te em pequeno. 

E procuraste o que não existe. 

Deste a tua vida a coisas que não havia. 
Não viste sequer 
o que estava a teu lado. 

Eras daquilo que não existia. 
Deste-te de antemão ao já perdido. 

Se hoje podemos dizer que exististe 
é porque durante uns anos 
respiraste o ar desta terra. 

E porque o que não existiu 
o perseguiste com poemas 
de cansada beleza onde hoje 
dás aos outros a tua voz, dás à vida 
o que não existiu, o que não tiveste.


Juan Vicente Piqueras






domingo, 21 de abril de 2024

Seamus Heaney

 

ABRIL





Maçons, quando iniciam uma construção,
Tenha o cuidado de testar o andaime;

Certifique-se de que as pranchas não escorreguem em pontos movimentados,
Fixe todas as escadas e aperte as juntas aparafusadas.

E ainda assim tudo isso acontece quando o trabalho termina
Exibindo paredes de pedra segura e sólida.

Então, se, minha querida, às vezes parece haver
Velhas pontes quebrando entre você e eu

Nunca tema. Podemos deixar os andaimes caírem
Confiantes de que construímos nosso muro.


Seamus Heaney






sábado, 20 de abril de 2024

Ana Luísa Amaral

 

APR




Em que meditas tu 
quando olhas para mim dessa maneira, 
deitada no sofá 
diagonal ao espaço onde me sento, 
fingindo eu não te olhar? 

Em que pensa o teu corpo 
elástico, alongado, 
pronto a vir ter comigo 
se eu pedir? 

As orelhas contidas em recanto, 
as patas recuadas, 
o que atravessa agora o branco dos teus olhos: 
lua em quarto-crescente, 
um prado claro? 

E quando dormes, como noutras horas, 
que sonhos te viajam: 
a mãe, a caça, a mão macia, o salto 
muito perfeito 
e alto, muito esguio? 

Onde: a noite sem frio 
que nos abrigará 
um dia 

e que há-de ser 
(só pode ser) 

igual?


Ana Luísa Amaral










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