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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Nuno Júdice

 

Photo: Francesca Woodman



Faço uma linha de meio do corpo, como num 
tratado de tordesilhas, para dividir o que me 
pertence e o que apenas pertence ao espelho 
que te reflecte, quando passas a meio do quarto,
e um lado és presente e material aos 
meus olhos, e do outro lado és só imagem,
como se estivesses a entrar numa espécie de 
realidade em que não existe hoje nem ontem,
mas apenas a beleza que dura para além do 
tempo e das circunstâncias em que te vejo.

É um tratado que faço entre mim e mim para 
te dividir, e saber que este corpo que hoje 
possuo logo deixará de me pertencer quando 
o deitar no poema, como alguma vénus de
rubens ou banhista de renoir, envoltas 
em véus ou em arbustos, à luz das velas ou
do sol. E sinto o que tenho quando te perco,
e o teu corpo se imprime para lá dessa linha
abstracta que te separa de ti própria, quando 
em ti se juntam a realidade e o seu reflexo.

Mas se tiro da tua frente esse espelho, é 
dentro de mim que tu te reflectes, e sou eu 
o espelho em que entras para deixares de 
fazer parte de mim, e seres quem aqui vive,
e para sempre respira neste último verso.


Nuno Júdice

1 comentário:

mariferrot disse...

A escrita sublimada de Nuno Judice, deixada pela sua caneta pena de pavão !!!...


Beijo Conde