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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Nuno Júdice

 

A minha concepção de realismo em poesia 
não me obriga a falar da realidade quando 
escrevo o poema, nem a ter as mãos sujas 
do barro e de lama de que a vida é feita. Mas 
quando saio de casa e as ruas me aparecem 
com a evidência dos seus habitantes,
ou quando leio os títulos dos jornais na 
banca da esquina, essa realidade é outra;
não digo que seja mais real do que a do 
poema, ou que a vida me obrigue
a tirar da cabeça o sonho a que pertence
a outra realidade do que escrevo. O que 
posso concluir, porém, é que existe um 
conflito entre o que vejo e o que, desse 
olhar, passa para o poema. Posso 
designá-lo por fractura, e compará-lo 
com as palavras que, tal como a água
que corre nas montanhas, e é limpa 
pelo filtro invisível da pedra, se deixam 
purificar pela música do poema, quando 
nascem no verso, como a água na fonte.



Nuno Júdice




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