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quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

José Agostinho Baptista

 

A noite 
rodeia-nos com os seus braços longos,
com as suas ferramentas negras,
e aperta-nos,
como se fosse a grande mãe antiga,
inclinada sobre os berços à deriva.

A noite
pinta os lábios de vermelho e as unhas,
abre os decotes de algodão e seda,
calça sapatos muito altos,
quando dança sobre as nossas vidas.

A noite 
acende as suas luzes, as suas violentas 
luzes amarelas,
e então vemos as estrelas, os recifes, as 
ruas sem árvores,
todas as portas fechadas.

A noite
deita-se mais tarde, ao lado dos que não têm 
nada,
nem amantes, nem amadas,
perseguidos por uma secreta ansiedade,
por uma dúvida:

quem é esta meretriz,
de quem é este corpo de mistério com os seus 
anéis que brilham?
E a noite beija-os com o veneno doce da sua 
boca,
morde com os dentes brancos a carne que os 
conduziu para o sono.
A noite não responde.

Há quem a sinta mais cedo,
quem a procure quando o sol começa a cair no 
horizonte,

porque quer os seus seios altos,
o seu regaço de rosas ternas onde esquecer a 
dor,
as atribuladas noções do tempo,
onde ler, nos espelhos turvos da 
madrugada,
o destino dos órgãos e dos malditos.

A noite
atira os seus despojos aos litorais do mundo,
remos, crucifixos,
cadáveres azuis de barcos naufragados,
de suicidas ternos,
de paixões assassinadas por Setembro.

A noite
 canta nos íngremes becos da cidade,
e a sua voz rouca bate nas nossas fontes,
nos búzios que trazemos por dentro.



José Agostinho Baptista




 

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