Interrogação - Camilo Pessanha
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau (China) a 1 de Março de 1926. Filho natural de um estudante de Direito e de uma tricana, andou na infância pelos Açores, Mogadouro e Lamego. Cursou Direito na universidade da sua terra natal (1883/91) e começou por exercer advocacia em Trás-os-Montes. Em seguida, abalou para Macau, onde acamaradou, durante três anos, com o escritor Wenceslau de Morais e teve, em 1896, um filho, João Manuel, duma companheira chinesa, falecido, poucos anos depois, do mesmo mal que havia de vitimar o pai. Foi professor de filosofia no liceu de Macau (1894), conservador do registo predial (1900) e juiz (1904). Entretanto, fazia várias visitas à metrópole: a primeira em 1896/97, a segunda em 1899/1900, a terceira de Agosto de 1905 a Janeiro de 1909 e a última de Setembro de 1915 a Março de 1916. Em 1911, foi exonerado do cargo de conservador e voltou a consagrar-se ao magistério liceal. Viciado em absinto e ópio, publicou os seus poemas com o título «Clepsydra» em 1920. A sua poesia é, ao mesmo tempo, plástica e musical, fazendo do seu autor o maior poeta simbolista português. Algumas características: abulia e ataraxia, cepticismo e pessimismo, inspiração lancinante e volúpia erótico-necrófila, nirvana e panteísmo difuso...
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