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domingo, 10 de setembro de 2023

Entre dois Kennedys

 

Noite, tarde ou manhã de amor

Entre dois Kennedys

Juro, não foi a Marilyn de ancas violentas e de louro cabelo em fogo que morreu a 4 de Agosto de 1962. Há gravações de Marilyn a fazer amor com John F. Kennedy, tão presidente então dos Estados Unidos da América como hoje Marcelo o é de Portugal. As gravações revelou-as o detective privado Fred Otash, proprietário, aliás, de uma delas. Toda a casa de Marilyn estava polvilhada de microfones. A cama também. Nessa noite, tarde ou manhã de amor com John, era a Marilyn de ancas violentas e louro cabelo em fogo que desenrolava um ciclone audível nos crispados lençóis de cambraia.

John só conheceu, aliás, essa Marilyn – nunca soube que havia outra. Viu-a, pela primeira vez em 1954, era Marilyn casada com Joe Di Maggio, o Messi ou Cristiano Ronaldo desse tempo. Foi numa festa em Los Angeles, ainda John não era presidente. Ficou de arregalados olhos de cherne postos nela. Tanto, tanto, que Di Maggio, o inseguro Di Maggio, que também só conhecia essa Marilyn fulgurante, curvilínea e vulcânica, a quis arrancar da festa, bazando dali para fora. Já em 1960, quando John se candidatou às primárias do Partido Democrático, Marilyn veio apoiá-lo. Houve um jantar, mas antes desapareceram os dois. Quando voltaram, uma eufórica Marilyn sussurrou a ouvidos amigos, que John tinha sido “very democratic” e “very penetrating”.

A Marilyn de John é a que lhe canta o “Happy Birthday… Mr. President”, é a que, noutro jantar, por debaixo da mesa, deixa que John lhe acaricie as coxas e que a mão dele vá descalça, segura, incorrigível por ali acima, na direcção da rosa dos ventos até tocar numa certa delicadeza húmida e estremecida. Marilyn viera sem cuequinhas, uma tanga que fosse, e, nas palavras dela, que eu componho à minha maneira, “ele tocou e recuou assustado, a cara vermelhíssima”.

Foi com esta Marilyn que dormiu uma estimável lista de homens. Também o cunhado de John, o actor Peter Lawford, que foi quem lhe a apresentou, e mesmo o irmão de John, Bob Kennedy. Todos amavam Marilyn e era o que lhe juravam na corte íntima à sua volta. Ela dizia o contrário: “Não, não me amam todos. Os únicos que me amam são os gajos que se sentam a ver-me no cinema e a bater uma.”

Mafia, FBI, a própria Marilyn, todos inundaram a casa dela de escutas. E John, o presidente, teve de fugir de Marilyn, como já acontecera ao seu dedo impertinente. Deixou de lhe atender o telefone, deixou sem respostas bilhetes e cartas. Mandou o irmão, Bob, explicar-lhe o inexplicável, o fim do recreio. E Bob, que já dormira com a mesma Marilyn que John, descobriu a outra Marilyn: a Marilyn que o cineasta Elia Kazan encontrou um dia em lágrimas, num estúdio, logo ficando amantes, a mesmo Marilyn que o escritor Arthur Miller, tendo casado com a girândola de estrelas e cometas, acabou por descobrir em casa, a sofrida, sonhadora, íntima Marilyn.

Bob viu e deixou Marilyn transferir para ele o que, na verdade, ela teria querido dar ao Mr. President. Uma tremenda nuvem de afecto, toda em pétalas, de uma pureza nocturna. E Bob, batido pela empatia e compaixão, tombou apaixonadíssimo pelo outro lado da actriz, pela outra Marilyn. Vinha vê-la e beijavam-se como miúdos de liceu, escondidos, exaltados, o corpo todo a tremer. E Marilyn acreditava que esse homem, casado e de família católica, com sete filhos, se ia divorciar e casar com ela. Foi essa Marilyn que, ao descobrir que voltaria à implacável solidão, desligou os tubos quentes do coração, e se deixou morrer. A de ancas violentas era só um holograma da Marilyn autêntica.

Publicado no Jornal de Negócios









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