Poeta Castrado Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
serei tudo o que disserem:
poeta castrado não.
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
-é tão vulgar que nos cansa-
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
-a morte é branda e letal-
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
-Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
Por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem
Poeta castrado não!
“ Ser poeta é escolher as palavras que o povo
merece”
José Carlos Ary dos Santos
O Ary era uma força da natureza e se alguém poderia escrever os versos que se seguem, pela sua genialidade, esse alguém só poderia ser o José Carlos Ary dos Santos que a si próprio se definia:
“Poeta de combate disparate
“Poeta de combate disparate
Palavrão de machão no escaparate
Porém morrendo aos poucos de ternura”
Faleceu em 1984, com 48 anos, quando os restos do fulgor da sua idade jovem já não conseguiram suportar os excessos de uma vida que foi uma explosão de emoções que ele nunca conseguiu dominar porque faziam parte do seu génio de poeta
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