FODA-SE
por Milor Fernandes
(Há anos, passei aqui no Memórias Futuras este texto. Hoje apareceu-me outra vez e eu não lhe resisti...)
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Liberta-me.
- "Não quer sair comigo?! - então, foda-se!"
- "Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!"
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua.
Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia: "Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"?
"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
- A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
- O Sol está quente comó caralho!
- O universo é antigo comó caralho!
- Eu gosto do meu clube comó caralho!
- O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?
No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".
Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.
O "nem que te fodas!" é irretorquível e liqui da o assunto. Liberta-te, com a consciência tranqui la, para outras actividades de maior interesse na tua vida.
Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.
Solta logo um definitivo:
- "Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".
O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito
assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua
maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?
Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:
- "Chega! Vai levar no olho do cu!"?
Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: - "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? - "Já me fodi!"
Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas - “Já me fodi!”
Então:
Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!
Mas não desespere:
Este país … ainda vai ser “um país do caralho!”
Atente no que lhe digo!
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