I
Ser um árabe e ter perto
A morena companheira,
A vida um grande deserto,
Tu a única palmeira;
Manto ao vento, ir de carreira
A galope em campo aberto,
Na mão a lança guerreira...
—Assim eu sonho, desperto.
Cai a tarde. Volto a casa.
E já da planície rasa
Surge a cidade natal.
Voam cegonhas ao Sul;
Ofusca a alvura de cal;
E há minaretes no Azul.
II
E eu evoco a alcova já:
Mosaicos de lés a lés
E, para a nudez dos pés,
Alcatifas de Rabat.
Só a penumbra entra lá.
Perfumadores de aloés,
Colchas, coxins, narguilés,
E um tamborete com chá.
Das vivas cores o matiz,
O teu corpo, a tua fala,
Luz e olor, tudo condiz.
Bastam os tons: de garridos,
Entornam fogo na sala
E embebedam os sentidos.
III
Há rosas no azul do espaço;
A tarde lembra um jardim;
O deserto é d’oiro baço
E as mesquitas de marfim.
Caem flores quando passo,
Lá do alto sobre mim;
Allah abriu o regaço,
Cheira a cravos e a jasmim.
Entro na alcova, — alegrete
De cores festivas e aromas.
Tu bailas sobre um tapete.
Afago-te o seio duro,
E, ao beijar-te as duas pomas,
"Só Deus é grande!" — murmuro.
Jaime Cortesão
Foto:Elena Vasileva
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