Uma carta que atravesse o tempo, se fixe
no que é essencial, na vida, ou então desleixe
os pormenores da filosofia para encontrar
os aspectos acessórios do ser - falo do amor,
da angústia, de outras emoções -, terá sem dúvida
um destinatário. Mesmo que a sua forma seja a
do poema, que se limita ao mínimo quando fala
do mundo ou da pessoa, alguém espera as
suas palavras, versos, frases, tudo o que, num
determinado e imprevisível instante, poderá
preencher esses vazios que interrompem o curso
da existência. De facto, um poema não precisa
de selo ou de marco, não é levado por ninguém
para a caixa do correio, nem traz envelope que se
tenha de rasgar, para ver o que está lá dentro. Mas
tem sempre uma voz - tal como a carta, que nos fala em
vez de alguém, substituindo a sua ausência. E,
tal como essa voz, obriga-nos a uma resposta,
que até pode ser em silêncio, mas agora sem a solidão.
Nuno Júdice
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