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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cesário Verde //// A débil

A DÉBIL



 Eu, que sou feio, sólido, leal,
 A ti, que és bela, frágil, assustada,
 Quero estimar-te, sempre, recatada
 Numa existência honesta, de cristal.
 
 Sentado à mesa de um café devasso,
 Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
 Nesta babel tão velha e corruptora,
 Tive tenções de oferecer-te o braço.
 
 E, quando socorrestes um miserável,
 Eu, que bebia cálices de absinto,
 Mandei ir a garrafa, porque sinto
 Que me tornas prestante, bom, saudável.
 
«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
 E pus me a olhar, vexado e suspirando,
 O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
 Na frescura dos linhos matinais.
 
 Via-te pela porta envidraçada;
 E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
 Nessa cintura tenra, imaculada.
 
 Ía passando, a quatro, o patriarca
 Triste eu saí. Doía-me a cabeça;
 Uma turba ruidosa, negra, espessa,
 voltava das exéquias dum monarca.
 
 Adorável! Tu, muito natural,
 Seguias a pensar no teu bordado;
 Avultava, num largo arborizado,
 Uma estátua de rei num pedestal.
 
 sorriam, nos seus trens, os titulares,
 E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
 A tua boa mãe, que te ama tanto,
 Que não te morrerá sem te casares!
 
 Soberbo dia! Impunha-me respeito
 A limpidez do teu semblante grego;
 E uma família, um ninho de sossego,
 Desejava beijar sobre o teu peito.
 
 Com elegância e sem ostentação,
 Atravessavas branca, esvelta e fina,
 Uma chusma de padres de batina,
 E de altos funcionários da nação.
 
«Mas se a atropela o povo turbulento!
 Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
 Ao pé de um numeroso ajuntamento,
 
 E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
 Julguei ver, com a vista de poeta,
 Uma pombinha tímida e quieta
 Num bando ameaçador de corvos pretos.
 
 E foi, então que eu, homem varonil,
 Quis dedicar-te a minha pobre vida,
 A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
 Eu, que sou hábil, prático, viril.

 Cesário Verde

«366 poemas que falam de amor»,
Antol. org. por Vasco Graça Moura,
 Lisboa: Quetzal, 2003

 Arte: Leon Herbo   




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