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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Manuel António Pina



    Anoitece...

    Os homens temem as longas viagens, ...

    os ladrões da estrada, as hospedarias, 
    e temem morrer em frios leitos 
    e ter sepultura em terra estranha.


    Por isso os seus passos os levam 

    de regresso a casa, às veredas da infância, 
    ao velho portão em ruínas, à poeira 
    das primeiras, das únicas lágrimas.


    Quantas vezes em 

    desolados quartos de hotel 
    esperei em vão que me batesses à porta, 
    voz da infância, que o teu silêncio me chamasse!


    E perdi-vos para sempre entre altos prédios, 

    sonhos de beleza, e em ruas intermináveis, 
    e no meio das multidões dos aeroportos. 
    Agora só quero dormir um sono sem olhos


    e sem escuridão, sob um telhado por fim. 

    À minha volta estilhaça-se 
    o meu rosto em infinitos espelhos 
    e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.


    Só quero um sítio onde pousar a cabeça. 

    Anoitece em todas as cidades do mundo, 
    acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos 
    onde o meu coração, falando, vagueia.




    Manuel António Pina   



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